Moro e a imagem do Judiciário
30 de janeiro de 2022 | 03h00
Sérgio Moro tem todo o direito de promover sua pré-candidatura à Presidência da República, defendendo suas ideias e propostas políticas. De fato, desde o fim do ano passado, quando se filiou ao Podemos, o ex-juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba tem percorrido o País para expor suas pretensões políticas e intensificado sua participação nas redes sociais.
Goste-se ou não daquele que foi o grande protagonista da Lava Jato, é assim que se faz uma democracia: partidos e pessoas apresentam à população suas propostas, na expectativa de convencer e entusiasmar os eleitores. Dessa forma, a princípio, não há nada de condenável na atual atuação política de Sérgio Moro. É, antes, motivo de elogio, assim como o é o trabalho de todas as outras pré-candidaturas. O regime democrático apoia-se no exercício dos direitos políticos, com cidadãos promovendo livremente suas ideias e pretensões políticas.
Há, no entanto, uma ressalva. Desde que lançou sua pré-candidatura, Sérgio Moro tem colocado suas pretensões políticas como uma continuação do trabalho que realizou como magistrado, em especial durante a Operação Lava Jato. E, ao dar esse específico enquadramento à sua atividade jurisdicional, o ex-juiz coloca em risco não apenas a reputação de seu trabalho na 13.ª Vara Federal de Curitiba, mas a imagem da própria Justiça.
Aparentemente pequenos, os detalhes são importantes. Uma coisa é alguém prometer que exercerá uma eventual função política futura com o mesmo espírito de serviço ao País com que teria desempenhado suas funções na magistratura. Outra coisa bem diferente é afirmar que, da mesma forma como combatia a corrupção e os corruptos como magistrado, continuará combatendo essas práticas e essas pessoas por meio da política. O problema do segundo caso não é a promessa futura, e sim a declaração sobre o trabalho como juiz.
Não é papel da Justiça “combater” a corrupção ou qualquer outro crime. Cabe ao juiz aplicar a lei no caso concreto, o que conduz a uma perspectiva muito diferente. Se o magistrado, após todo o percurso processual, entender que existem elementos suficientes para demonstrar a materialidade e a autoria de um crime, deve punir os autores do crime, com o rigor da lei. Mas isso não significa que o juiz combata o crime, da mesma forma que, se absolver um réu por falta de provas, ele não está sendo conivente com a criminalidade.
A Justiça Criminal não é um sistema com juiz e promotoria de um lado e bandidos de outro. Se fosse assim, não seria preciso sequer sistema de justiça, podendo ser aplicada imediatamente a pena. No início do processo, não se sabe se os réus são culpados ou mesmo se existiu o alegado crime. Existe um processo criminal com a presença de um juiz isento e equidistante em relação às partes precisamente para que se possa avaliar objetivamente se houve crime e se os réus são culpados.
A Justiça deve ser e parecer imparcial. A imagem de isenção do Judiciário é fundamental para que suas decisões sejam acolhidas e respeitadas pela população. Só assim as sentenças serão capazes de pacificar os conflitos sociais, em vez de agravá-los. Por isso, magistrados e ex-magistrados não devem suscitar suspeitas sobre sua imparcialidade. Isso não é nenhum rigorismo, e sim cuidado com o Estado Democrático de Direito.
No caso, há ainda uma agravante. Sérgio Moro tem dado a entender que, em sua atividade jurisdicional, não apenas enfrentava a corrupção, mas combatia a defesa dos acusados. Chama-os de “advogados pela impunidade”. Ao revelar essa dimensão de conflito – própria da política – na relação entre juiz e parte, vislumbra-se um enviesamento ainda mais forte da compreensão de Moro sobre a função judicante.
Como qualquer cidadão, um político pode defender livremente suas ideias. Uma coisa é certa, no entanto: um magistrado que decide ir para a política muda necessariamente de função. Ao dizer que continuará fazendo o que fazia na Justiça, deprecia a Justiça e seu trabalho como juiz. A Operação Lava Jato merece mais cuidado.