Janela partidária antecipa movimentos em pleito sem coligações
Os bastidores da política cearense estão movimentados com a chegada de uma das datas fundamentais ao período eleitoral de 2020: a janela partidária. O período, iniciado na última quinta-feira (5), encerra apenas no dia 3 de abril e garante aos vereadores que pretendem tentar a reeleição a possibilidade de mudar de partido sem sofrer nenhuma sanção por infidelidade partidária. Esta é a primeira data a movimentar os ainda pré-candidatos desta eleição que deve ser marcada por mudanças nas regras eleitorais.
Contudo, a movimentação intensa ainda não se traduz em trocas efetivas dos parlamentares. Na Câmara Municipal de Fortaleza, por exemplo, as definições devem ser jogadas para a última semana de janela partidária, nos "45 do segundo tempo", como afirmam vereadores.
O motivo é que a formação das chapas para disputar vagas no Legislativo deve ter estratégias mais complexas com o fim das coligações para o pleito proporcional, ou seja, para as câmaras municipais. A alteração é apontada por especialistas em Direito Eleitoral como a de maior impacto nas eleições deste ano.
"É uma dinâmica que passou a ocupar a mente de quem pensa estrategicamente a campanha. Antigamente, se queria reunir o maior número possível de agremiações em torno de candidaturas, agora a lógica é completamente outra", explica Isabel Mota, advogada especialista em Direito Eleitoral e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.
Mota aponta, por exemplo, o impasse pelo qual devem passar prefeitos que tentarão a reeleição em outubro, para acomodar todos os aliados candidatos às câmaras municipais. "Correndo o risco dele (prefeito) até se reeleger, mas os candidatos dele não se elegerem para a Câmara. Então é um cálculo realmente de quem atrapalha quem", diz.
Novidade
Esta será a primeira eleição com a medida implementada. Por isso, ainda não é possível prever quais devem ser os impactos nos parlamentos para o ano que vem. "Como esses partidos vão se posicionar? Como vai ser a representação das minorias partidárias, já que antes elas se coligavam? Tudo isso é uma resposta que só vamos ter na prática", aponta Caio Guimarães, assessor jurídico da Presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE).
Apesar da imprevisibilidade, alguns efeitos são projetados por especialistas. O primeiro deles é a diminuição do número de partidos presentes nos parlamentos.
"Existe essa ideia de que o Parlamento muito fragmentado dificulta a governabilidade. Então, cada partido disputando entre si em vez de se reunindo para conseguir eleger o máximo de mandatários, vai concentrar mais os votos e irá diminuir o número de fragmentação", afirma Mota.
O efeito imediato, contudo, deve ser a ampliação de candidaturas. "O que aumenta o desafio da Justiça Eleitoral", destaca a professora de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Machado. "Existirão mais candidatos, com possibilidade de mais irregularidades na campanha, além de que pode ter um problema de distribuição de tempo para as propagandas", explica. A tentativa de alcançar o quociente eleitoral também deve fazer com que partidos se esforcem para lançar chapas completas para o Legislativo.
Mudanças
Apesar de estar no foco dos futuros candidatos, o fim das coligações na disputa proporcional, porém, não é a única mudança na legislação eleitoral. Dentre as determinações da última resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Caio Guimarães, do TRE-CE, destaca algumas com impacto sobre a propaganda eleitoral e a fiscalização.
O Tribunal limitou, por exemplo, o poder de polícia do juiz eleitoral nos casos de propaganda na internet. "Ele poderá agir quanto à forma e ao meio, mas não mais ao conteúdo. Neste caso, o juiz vai ter que encaminhar a propaganda para o Ministério Público", explica. Além disso, ficou proibido o disparo em massa de comunicadores, que foi "um dos grandes problemas das eleições de 2018", lembra.
Outro problema das eleições gerais foi a disseminação de notícias falsas, as "fake news". No ano passado, a conduta foi criminalizada pelo Congresso Nacional. Contudo, Raquel Machado considera que a legislação pode não ter a eficácia desejada.
"Se houver uma mudança, será por conta do amadurecimento do eleitor. É difícil a Justiça Eleitoral conseguir ter o controle disso. Talvez as pessoas fiquem mais receosas de disseminar as 'fake news', mas é preciso pensar um mecanismo mais eficaz para este fenômeno", ressalta.
Função
A Justiça Eleitoral, diferente de outras instâncias do Judiciário, possui função administrativa. É por isso que, além das legislações aprovadas pelo Congresso, o TSE pode fazer modificações na lei eleitoral.
"Quem faz a eleição no Brasil é a Justiça Eleitoral, então tem que baixar normativos internos para delimitar essa logística. São situações pequenas que fazem parte do dia a dia de fazer uma eleição", cita Caio Guimarães.
Novas formas de financiamento
Os financiamentos para campanha eleitoral também tiveram alterações substanciais desde as últimas eleições municipais, em 2016. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha foi criado em 2017, após a proibição por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) da doação de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais.
Apesar de, em 2018, o Fundo Especial ter financiado 80% das campanhas, existem outras formas de captar recursos para as candidaturas.
Dentre elas, o financiamento coletivo, ou vaquinha virtual, ainda subutilizado. “A vaquinha virtual foi fraquíssima em 2018, os candidatos não utilizaram. Mas é um tipo de arrecadação que no mundo é muito forte”, lembra Caio Guimarães.
“Com a possibilidade de captar em larga escala doações, quem tiver a maior capacidade de utilizar a vaquinha virtual, vai conseguir se beneficiar. Porque não é fácil atrair doação de pessoa física”, completa Isabel Mota.
Foram impostas, inclusive, novas regras para quem deseja doar recursos para campanhas eleitorais. O eleitor poderá doar até 10% da renda bruta anual declarada à Receita Federal, referente a 2019.
O candidato também terá limites para a utilização de recursos próprios para custear a campanha. O autofinanciamento poderá ser realizado até o total de 10% dos limites previstos para gastos de campanha no cargo pleiteado.
Outro cuidado necessário em relação aos gastos da candidatura é quanto ao período de pré-campanha. Esta será uma eleição municipal com apenas 45 dias de campanha no primeiro turno.
“Para os gastos, tem que levar em consideração se a pessoa teria recursos para custear. Além disso, tem que ser bem menor que o teto da campanha”, detalha Isabel Mota. Ela ressalta que o ideal é que quaisquer gastos sejam feitos pelas agremiações partidárias.
Raquel Machado pontua que ainda existem muitas brechas quanto ao período. “O que não pode é pedir votos. Então, a legislação ficou muito confusa”, aponta, apesar de ressaltar que a Justiça Eleitoral já puniu casos de abuso de poder econômico durante a pré-campanha. DIARIONORDESTE