Em ano eleitoral, Bruno Covas cria via rápida para emendas de vereadores
De olho na campanha eleitoral de 2020 e costurando o apoio de partidos para construir uma aliança forte para se manter no cargo, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), decidiu acelerar e dar mais fluência à utilização de emendas parlamentares na realização de eventos e obras da gestão municipal.
As emendas são pedidos que os vereadores fazem para colocar no Orçamento municipal gastos específicos, como instalar grama em uma praça, construir a cobertura em uma quadra, reformar um hospital ou organizar um festival, entre outros.
As emendas costumam ser destinadas a obras nos redutos eleitorais dos vereadores ou relacionadas a temas com os quais são identificados.
Com vereadores e o próprio Covas tentando a reeleição, a verba municipal que permite que cada vereador destine R$ 4 milhões para atividades e obras que quiser é estratégica.
De um lado, os parlamentares conseguem agradar suas bases eleitorais com medidas de visibilidade. De outro, Covas vai ganhando ainda mais aliados na sua tentativa de continuar comandando a maior cidade do país.
Os tucanos envolvidos na campanha de Covas estimam já ter garantido o apoio de nove partidos na coligação, e estão em busca de mais.
Por meio de decreto publicado no Diário Oficial do município no começo do mês, Covas determinou que cada secretaria da prefeitura terá 15 dias para fazer a análise das emendas recebidas —os estudos de emendas são distribuídos pelas secretarias de acordo com o tema.
Antes do decreto, cada secretaria tinha até 30 dias para fazer essa análise. Segundo membros da gestão Covas, esse prazo já vinha sendo respeitado na maior parte dos casos.
Depois da análise, as emendas vão para a fase de execução, na qual muitas vezes também têm sido retidas.
Os vereadores reclamam com frequência ao prefeito sobre a não-execução das obras previstas em suas emendas. A prefeitura tem argumentado que sofre com dificuldades burocráticas, execuções travadas por órgãos de controle (como o Tribunal de Contas do Município) e problemas mais pontuais, como a inimizade de subprefeitos com vereadores, por exemplo.
Nesses casos, subprefeitos deixam de executar as emendas de determinados vereadores por não serem simpáticos a eles ou por terem preferência por concorrentes deles.
O decreto também apresenta novo modelo de formulário que exige mais informações, justificativas e esclarecimentos por parte dos vereadores em seus pedidos. Desse modo, a prefeitura tenta evitar que as obras continuem a travar na Justiça ou no TCM por problemas formais na elaboração das propostas de emendas.
O objetivo do decreto, afirma a administração municipal, foi "garantir a efetiva entrega à sociedade dos bens e serviços, independentemente de sua autoria".
A Câmara incluiu R$ 220 milhões para emendas parlamentares no Orçamento municipal de 2020, o mesmo valor do ano anterior.
A execução de obras previstas em emendas também é considerada importante por Covas para dar vazão ao que a prefeitura tem nos cofres.
Após ter promovido rigoroso corte de gastos nos primeiros anos à frente da prefeitura, a atual gestão diz ter em caixa hoje mais de R$ 12 bilhões —R$ 2 bilhões a mais do que havia no mesmo período de 2018. A previsão de investimento é de R$ 7,5 bilhões, aumento de 34,4% em relação ao orçado para o ano passado.
O problema não tem sido, então, a falta de recursos, mas a dificuldade em aplicá-los.
Embora vejam mérito no decreto, vereadores enxergam cálculo político na escolha do momento para editá-lo.
"A manobra que ele está fazendo com esse decreto nesse momento não tem outra explicação a não ser oportunismo eleitoral, que é uma maneira de cooptar partidos", afirma Fernando Holiday (DEM).
Para ele, as emendas deveriam ser impositivas para evitar que haja toma lá, dá cá, com o governo exigindo votação em projetos em troca da execução das emendas já aprovadas.
"Vereadores não tão próximos têm receio de emendas não serem executadas justamente por esse posicionamento. A tendência é que até mesmo a oposição dê uma amenizada por conta disso", diz.
Janaina Lima (Novo) questiona a falta de transparência que cerca as emendas. A prefeitura publica uma planilha com emendas liberadas todos os anos, mas não há detalhes do andamento delas, o que dificulta o acompanhamento.
De acordo com Janaina, na esfera federal é possível ter informações mais detalhadas sobre os gastos com esse tipo de recurso —se a obra pedida está em curso ou se foi finalizada, por exemplo.
Segundo a vereadora, embora Covas sinalize uma aproximação com o Legislativo, o novo decreto não resolve o problema da transparência.
Ela tem um projeto de lei tramitando na Casa para melhorar a divulgação do andamento das emendas. "É importante a gente garantir o crivo da população na avaliação da utilização desses gastos", diz ela.
No site da Casa Civil municipal há uma planilha em que constam apenas as emendas liberadas, sem mais detalhes. O documento contabiliza R$ 146 milhões em emendas —em tese, cada um dos 55 vereadores têm direito, por acordo, a R$ 4 milhões, o que totalizaria R$ 220 milhões.
As subprefeituras concentram R$ 33 milhões desse total. A área à qual foram destinadas mais despesas foi a Capela do Socorro, no extremo sul. São obras de reformas de praças, quadras e requalificação de espaços públicos.
A área concentra vários vereadores que têm base bastante regionalizada. Há emendas liberadas dos petistas Alfredinho, Arselino Tatto e Reis, além de Rodrigo Goulart (PSD), Ricardo Nunes (MDB) e Atílio Francisco (PRB).
Entre os tipos de gastos preferidos na Câmara também estão eventos culturais de diversos tipos. Essa categoria é uma das preferidas da chamada bancada da Bíblia, que indica shows gospel e outras ações religiosas.
A colocação de gramados, sintéticos ou não, em quadras de futebol society e campos pela cidade também é bastante comum na periferia. A reportagem localizou mais de R$ 6 milhões em emendas para esse fim.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirma que "o decreto foi editado para estabelecer procedimentos e prazos para a execução das ações governamentais com recursos provenientes de emendas parlamentares".
A nota ainda diz que o "decreto segue os princípios que regem a Administração Pública, especialmente os relativos à legalidade, à eficiência e à publicidade na destinação de recursos do orçamento municipal".
AS EMENDAS PARLAMENTARES
O que são
O orçamento é definido em conjunto entre o Executivo e Legislativo. As emendas são indicações de gastos feitas pelos vereadores, com especificação onde serão feitos
Tipos de gastos
Os vereadores podem escolher qualquer área para gastar, seja na realização de obras, eventos ou destinando verba para determinados órgãos. A maioria busca atender necessidades de seus redutos eleitorais
Valor
Em São Paulo, há um acordo informal de que cada vereador tem direito a R$ 4 milhões
por ano em emendas, o que, na teoria, levaria a um total de R$ 220 milhões
No documento com emendas liberadas em 2019, elas somam R$ 146 milhões
Execução
Vereadores reclamam que execução envolve barganha política, dificultando a vida de quem não é alinhado ao governo. Eles também afirmam não haver transparência sobre o estágio do cumprimento