O fator Lula - Carlos Alberto Sardenberg
Esqueçam o impeachment, ao menos por ora. Há uma questão anterior: quais as chances de a presidente Dilma governar com um mínimo de eficácia? Se ela não conseguir, não apenas volta a ameaça de impeachment, como surgirão articulações para algo como uma renúncia mais ou menos forçada — que ocorre quando o presidente fica inteiramente isolado, sem a menor capacidade de governar. Pois essa situação pode estar mais perto do que muitos pensam, por dois motivos. O primeiro: o governo é ruim e está muito difícil recuperar eficácia. O segundo é Lula. Se a Lava-Jato apanhar o ex-presidente, derrete toda a estrutura construída em torno dele, incluindo Dilma e sua presidência.
É uma especulação, claro, mas... enfim, eis a coisa.
No dia a dia, todo governo funciona no automático. A burocracia mantém os programas existentes, até consegue tocar algumas obras.
Mas não é disso que se trata. Não estamos em um período normal. A presidente e seu pessoal precisam apagar o incêndio e, ao mesmo tempo, desenhar e refazer o edifício. Para a crise imediata, Dilma precisa arranjar dinheiro para fechar as contas deste ano. É como se estivesse no meio da tarde ainda sem o dinheiro da janta.
Para isso, a presidente conta, publicamente, com a CPMF, que precisa ser votada até maio. Fora do Congresso, ela conta também com a venda de prédios e outros ativos, coisa que depende da eficácia do governo e, claro, da disposição do mercado. Na Câmara e no Senado, não existe a maioria de três quintos exigida para a aprovação da CPMF. E não existirá enquanto o governo não der provas de que está vivo, atuante e com perspectivas. O que depende, e muito, do dinheiro da CPMF...
A venda de ativos e leilões de rodovias, aeroportos e outros serviços é uma privatização meio avacalhada, feita em um momento ruim. Aliás, como a privatização patrocinada pela Petrobras. Está torrando patrimônio para tapar o caixa e tudo com base em decisões exclusivas da diretoria. Mas, enfim, quando falta dinheiro, parece que vale tudo.
Precisa de competência, porém.
Está em falta. Na mensagem ao Congresso em 2015, Dilma prometeu leilões de rodovias e a terceira fase do Minha Casa Minha Vida. Está prometendo de novo, igualzinho.
Resumo: não vai conseguir debelar o incêndio, as contas públicas continuarão no buraco.
Acabou?
Ainda não. O país pode estar na pior, o governo meio parado, mas se há um presidente respeitado e que aponte um caminho crível, as expectativas melhoram imediatamente. A Argentina de hoje, por exemplo.
No nosso caso, a presidente Dilma precisa apontar um caminho que leve a três destinos: uma reforma estrutural das contas públicas; o controle da inflação; a retomada do crescimento e do emprego.
É muita coisa ao mesmo tempo. E Dilma só tem proposta para o primeiro destino: a reforma da Previdência. Mesmo assim, trata-se de uma proposta ainda secreta, não especificada. A presidente e seu ministro da Fazenda apontaram alguns temas gerais, que contam com forte, e explícita, oposição dentro do governo, do PT e da base aliada.
Para a inflação, o Banco Central perdeu a autoridade. Para a retomada do crescimento, tudo que o governo conseguiu foi juntar uns R$ 80 bilhões para novos créditos. É pouco dinheiro e, ainda assim, não há tomadores dispostos a pegar os recursos. Aliás, parte daqueles 80 bilhões está parada faz tempo nos cofres do FGTS.
Resumo: continua o ambiente de recessão e inflação alta.
Em cima disso, vem o fator Lula. Todo mundo pergunta: será que ele vai ser preso? Isso, claro, terminaria de enterrar o PT e todos seus aparelhos.
Mas a prisão não é uma condição essencial. Bastaria Lula tornar-se réu na Lava-Jato, em Curitiba, em um processo consistente, com provas fortes e de fácil entendimento da população, tipo ganhar um sítio, um apartamento em troca de favores com dinheiro público.
Mesmo sem isso, à medida que as investigações e denúncias aparecem, o ex-presidente fica cada vez mais isolado. Não por acaso, parlamentares do PT e ministros de Dilma saíram em campanha por Lula nos últimos dias. Sabem que aí está uma questão de vida ou morte.
Suponhamos agora que ocorra tudo isso: o governo não sai do buraco, a economia patina e Lula é apanhado. Todo mundo, na política, vai querer se afastar do PT, do ex-presidente e, pois, de Dilma. Aliás, ela também pode querer se afastar, mas para ficar de que lado, com quem?
Nesse momento, volta a ameaça do impeachment e aparece a articulação para se encontrar algum meio de substituir a presidente. Por quem? Aí já estão querendo especular demais — mas que aparece alguém, aparece.
Tudo considerado, o fator Lula é o decisivo. É a peça que falta para fechar um quadro de insustentabilidade do governo Dilma. Para variar, a história está também aqui com a Lava-Jato.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista / O GLOBO