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Conforto por dentro, precário por fora

com tv mas sem agua

RIO, BRASÍLIA e RECIFE - A casa do brasileiro é feita com o próprio suor. Literalmente. Quase metade da população, 46%, construiu sua própria habitação sem ajuda profissional de um engenheiro ou arquiteto, mostra pesquisa inédita do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) à qual O GLOBO teve acesso. A construção é tocada por parentes ou, no máximo, um mestre de obras. Por dentro, a casa do brasileiro anda cada vez mais equipada. Por fora, contudo, a infraestrutura deixa a desejar: os governos não expandem a oferta de serviços públicos no mesmo ritmo de melhoria que a população consegue fazer da porta para dentro.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad) do IBGE de 2013, 85,3% dos domicílios estão conectados à rede água. No caso do esgoto, o percentual é de 64,3%.

Já do lado de dentro, as casas melhoram em suaves prestações. O boom do crédito nos últimos anos equipou as residências. A televisão a cores chegou a 97,2% dos lares, praticamente a mesma presença das geladeiras (97,3%). Em 58,3% deles há máquina de lavar, e 49,5% têm computador.

CONDOMÍNIO COM PISCINA, MAS SEM ÁGUA

Marcelo da Silva Coimbra comprou um apartamento em Nova Iguaçu na planta, que hoje é vendido por até R$ 500 mil, para dar mais conforto à mulher e aos dois filhos adolescentes. O condomínio tem sauna, quadra de esportes, salão de festas, estúdio musical e, claro, piscina. O que ele não sabia é que, muitas vezes, precisaria pegar água da piscina para usar no banheiro de casa.

— Não é um problema só do verão não. Entre julho e agosto faltou água em 20 dias. O valor do nosso condomínio sobe com a compra de caminhão–pipa. Mas, às vezes, vários prédios da região compram água e falta até o caminhão-pipa — conta o representante comercial e pastor.

Marcelo diz não entender, pois seu prédio fica muito perto do Guandu, de onde a maior parte da água do Rio é captada. Ele chegou a voltar à antiga casa para tomar banho e já ameaça voltar a morar lá, para desespero dos filhos, que se acostumaram com o condomínio completo, perto das escolas, e sonham com o vizinho ilustre que está se instalando a apenas cinco minutos de caminhada: um grande shopping.

—Mas é um problema de política. Tem até moradores que processam a construtora, mas eles fizeram a parte deles. O que falta é governo. Conheço mais de dez moradores que saíram do prédio, de 452 apartamentos, por causa da falta d’água— diz.

A vizinha Catiane Medeiro já decidiu: não fará o aniversário de primeiro ano de seu filho no salão de festas do prédio. Ela queria, mas teme a falta d’água:

— Já imaginou você com um monte de convidados e faltar água pra dar descarga no banheiro do salão? Deus me livre! Prefiro pagar uma casa de festas, vai sair mais caro, mas não tem solução .

A Cedae, responsável pelo abastecimento do prédio, informou que “técnicos da companhia vão vistoriar a rede para verificar se há algum problema de vazamento ou obstrução”.

EM PALAFITA, MAS COM TV LED DE 42 POLEGADAS

O televisor de LED com 42 polegadas, ainda com prestações a pagar, é o bem material mais precioso na casa de Jane Fernandes. A pescadora mora numa palafita de apenas um cômodo e cinco metros quadrados no Recife. Jane não tem fogão. A comida é feita numa lata de tinta recheada de carvão. Também não tem banheiro em casa. Divide um, completamente improvisado, com os vizinhos.

— Eu quero um apartamento. Por enquanto, vamos vivendo aqui. De dia, é um calor só, mas à noite é fresquinho — conta.

Jane se aperta como grande parte dos brasileiros mais pobres. É na fatia da população com renda até oito salários mínimos (R$ 6.300) que estão os domicílios com maior número de moradores, em média, 4,9 pessoas por casa.

Nas faixas de renda mais baixas também se concentram as pessoas que constroem suas casas sem nenhuma assistência técnica. Segundo especialistas, além do perigo de a estrutura desabar, a prática contribui para que o mercado da construção do país continue atrasado e poluente.

— Na China, há quase duas décadas não há mais tijolo. Empilhar tijolo é trabalho lento, insalubre. As empreiteiras que estão aí fazem obras do passado — diz Haroldo Pinheiro, presidente do CAU.


por Gabriela Valente (Enviada especial) / Henrique Gomes Batista / o globo

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