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SALVADOR E RIO - O Brasil vive um paradoxo: há mais imóvel vazio do que gente em busca de moradia. O déficit habitacional estimado é de cerca de 5,43 milhões de residências. Enquanto isso, há 6,097 milhões de unidades vagas, segundo dados do Censo. Diferentes razões explicam a situação. Há imóveis de governos das três esferas — União, estados e municípios —, unidades em disputa na Justiça, com dívidas de impostos, cujos proprietários já morreram sem deixar herdeiros, entre outros. Ao contrário de outros países, aqui não há grandes punições para quem deixa caros metros quadrados sem ninguém. Isso pressiona a necessidade por residências e faz com que muitas delas, algumas até em ruínas, sejam invadidas. O governo já estuda incluir a reforma de imóveis vazios na terceira fase do programa Minha Casa Minha Vida. Não que unir “casa sem gente e gente sem casa” seja simples. Especialistas lembram que é preciso mapear onde estão esses domicílios vazios e onde está o déficit habitacional. Mas defendem serem necessárias políticas para aproveitar as áreas já ocupadas das cidades, que dispõem de infraestrutura, serviços e transportes.

Sérgio Magalhães, presidente nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil, afirma que o governo investe o pouco que tem na expansão das cidades e abandona as áreas consolidadas:

— Cidades espalhadas são mais caras que as compactas, como Paris. Você demanda mais água, energia, serviços, segurança e transporte.

IMÓVEIS MAPEADOS NO RIO

Levantamento feito pela Secretaria Municipal de Habitação do Rio este ano apontou a existência de 357 imóveis que poderiam ser usados para habitação apenas no Centro da cidade. O cálculo é de 5.100 unidades habitacionais, segundo o secretário Carlos Portinho. Outros 61 imóveis já foram desapropriados, com capacidade de abrigar 573 apartamentos. Já a Secretaria Estadual de Habitação identificou 186 imóveis que podem ser transformados em moradia. E busca recursos no Banco Mundial para a execução do primeiro projeto.

— Os imóveis já foram mapeados, e temos um plano que prevê essas unidades habitacionais a curto, médio e longo prazo — afirma Portinho.

Reportagem publicada no penúltimo domingo no GLOBO mostrou um pacote de sete projetos de lei enviados pelo prefeito Eduardo Paes à Câmara Municipal com incentivos fiscais e mudanças nas regras urbanísticas do Rio para ocupar áreas degradadas ou em processo de revitalização. Entre eles, há um projeto que concede isenção de ITBI e de IPTU (por cinco anos) e de ISS (Imposto de Serviços) para o aproveitamento de imóveis abandonados. Está prevista também a votação de uma proposta que trata da cobrança de IPTU progressivo de imóveis vazios e subutilizados.

Para o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, Haroldo Pinheiro, a solução para reduzir o total de imóveis vazios não é simples nem rápida. Ele defende o que a cidade de São Paulo tem feito: aumentar a taxação para lugares fechados ou que não cumprem a função social da propriedade.

— Não dá simplesmente para colocar todas as pessoas que precisam de casas nos imóveis vazios, tem de haver instrumentos para estimular o uso, como o IPTU progressivo —argumenta.

É ao lado da Câmara, na Rua Alcindo Guanabara, em plena Cinelândia, que está um dos mais emblemáticos casos de ocupação de imóveis vazios na cidade. Há quase oito anos, um grupo de 42 famílias invadiu um prédio vazio do INSS na ocupação Manoel Congo. Entre idas e vindas, conseguiu a transferência ao governo do estado e a transformação do imóvel comercial em moradia popular. Os recursos para as obras demoraram a chegar, segundo Maria de Lourdes Lopes, moradora do local e uma das coordenadoras do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM).

No ano passado foi aprovado o financiamento pelo Minha Casa Minha Vida Entidades, que financia moradias populares por meio de associações e cooperativas. Desde 2009, o programa financiou 57.870 unidades habitacionais, das quais 20.800 foram concluídas. É uma parcela bem pequena das quatro milhões de unidades já contratadas pelo Minha Casa Minha Vida.

— Hoje, temos muita casa sem gente e muita gente sem casa no Brasil. Ocupar os imóveis vazios significa aproveitar uma estrutura que já existe, o Estado não precisa investir para levar água e luz para áreas distantes — conta ela.

Ali, os moradores não terão a propriedade do imóvel, mas a concessão de direito de uso por 90 anos, prorrogáveis por mais 90 anos, segundo Maria de Lourdes, conhecida como Lurdinha.

ALUGUEL SOCIAL EM IMÓVEIS VAZIOS

Em Salvador, casarões tombados são ocupados por diversas famílias. Mesmo sem condições, viram cortiços bem localizados no centro histórico. Revoltado com a situação, um grupo de artistas e intelectuais baianos decidiu grafitar a frase “Aqui poderia morar gente” nos imóveis. Sônia de Assis divide um deles com outras cinco famílias e diz que o coração só aperta quando chove. O prédio ao lado de onde ela mora com os quatro filhos está condenado.

— Quando chove, nem durmo.

Ela sabe que, mesmo que o teto continue em pé, pode perdê-lo: vários casarões já foram vendidos. Como os donos não podem derrubar, esperam que o tempo faça isso. Uma das propostas dos arquitetos da cidade era usar essas casas, devidamente desapropriadas, para moradia social com conservação das fachadas tombadas como patrimônio histórico da Humanidade.

Para a secretária nacional de Habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães, o ideal seria a aprovação de IPTU progressivo para imóveis vazios, mas os efeitos disso só seriam sentidos em seis ou sete anos. Ela antecipou ao GLOBO que a terceira fase do programa deverá estimular a reforma de imóveis vazios, como os casarões de Salvador. No entanto, ela já adianta que essas unidades deverão ser usadas para aluguel social. Como o preço dessas moradias é muito alto, elas não devem ser entregues para as famílias.

— Eu defendo que seja só para aluguel social, porque a chance de você fixar uma família com renda de R$ 1 mil num imóvel de R$ 250 mil é mínima. Ela venderia o imóvel — argumenta a secretária.


por Gabriela Valente / Lucianne Carneiro / O GLOBO

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