Em Florianópolis, casa popular em frente ao mar Read more: http://oglobo.globo.com/economia/meio-seculo-de-espera-17348140#ixzz3kTPlaEaN
FLORIANÓPOLIS - A imagem de palafitas construídas à beira d’água remete à população ribeirinha da Amazônia. Mas é na beira-mar da área continental de Florianópolis que uma comunidade se organizou, a partir de ranchos de pesca nos anos 1960, e ainda hoje sobrevive sem esgoto ou abastecimento de água. A realidade das cem famílias da Ponta do Leal, no entanto, está perto de mudar com a chegada do Minha Casa Minha Vida. O município, com o terceiro maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no país, era a única capital fora do programa. A cidade terá dois empreendimentos do programa de habitação popular. Além dos imóveis na Ponta do Leal, serão construídas 78 unidades no bairro de Jardim Atlântico, que devem ser entregues até o fim do ano, seis anos após o lançamento do Minha Casa Minha Vida.
Se a demora em levar moradias populares para a capital de Santa Catarina está longe de ser motivo de comemoração, os projetos que agora se tornam realidade têm um perfil diferente do que se tornou quase um padrão no programa de habitação: localização em áreas distantes, sem infraestrutura ou acesso de transporte. As duas construções estão em bairros da área continental da cidade. Apesar de não ficarem na ilha, que é a área mais valorizada, têm infraestrutura já constituída e transporte público.
A localização não foi fácil. Foram anos de tentativas de remoção, e houve até abaixo-assinado de moradores do bairro para levá-los a outros municípios. Mesmo com o Minha Casa Minha Vida, a ideia inicial era levar as famílias a outra área. Uma mobilização da comunidade, com apoio do Ministério Público Federal, porém, garantiu que conseguissem um terreno da União e da prefeitura ao lado das palafitas, onde está em construção um conjunto com quatro blocos e 88 apartamentos.
Os imóveis têm vista para o mar, a ilha, e para a Ponte Hercílio Luz, símbolo da cidade, além de varanda com churrasqueira. Aos 54 anos, João Geraldo Carvalho, o mais antigo morador, mora ali há 40 anos.
— Queriam colocar a gente longe, mas a gente mora em Florianópolis e queria ficar aqui. Metade das famílias vive da pesca, é importante ficar na Ponta do Leal — explica o pescador aposentado.
— A gente vai ser reconhecido como gente, né? Vai ter comprovante de residência... Daqui, a gente vê as casas e a sociedade lá no fundo.
'LAVAR PRATOS AO NAR'
Um “bom banheiro” é o principal atrativo do novo apartamento para a faxineira Maria de Fatima Correia, de 60 anos, que vive com a família numa casa sobre palafitas com pedaços de madeira.
— Vamos ter um bom banheiro. Aqui, fizemos um buraco na areia e por ali vai tudo. No calor, o cheiro é muito forte. E uma vizinha colocou uma saída de esgoto embaixo da minha casa — conta Maria de Fatima, que sonha em comprar armários para a cozinha e camas novas.
Na casa da vizinha Maria Teresa dos Santos de Oliveira, os dejetos vão direto para a areia. Seu sonho é lavar a louça e a roupa sem preocupação:
— Mais de uma vez tive de lavar os pratos no mar porque não tinha água. Geralmente, só consigo lavar roupa de noite.
Secretário de Habitação de Florianópolis, Domingos Zancanaro admite a demora no lançamento do programa no município, mas diz que o preço elevado dos terrenos foi um empecilho:
— O novo plano diretor da cidade organizou melhor as áreas de interesse social, e temos três novos projetos para o Minha Casa Minha Vida em fase final.
Arquiteto e urbanista de Florianópolis, Edson Cattoni diz que as iniciativas são um bom exemplo de solução de moradia popular com acesso à infraestrutura. Ele defende acompanhamento constante para evitar que os imóveis sejam vendidos.
Tentações não faltam. Seu Geraldo conta que, antes mesmo de os apartamentos ficarem prontos, de vez em quando aparece um interessado em comprar:
— Após tantos anos de luta, queremos nosso canto, não pegar para vender.