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Mais 50 anos para reduzir déficit habitacional

 

ESPECIAL HABITACAO 12015081118659por Gabriela Valente / Henrique Gomes Batista / Lucianne Carneiro / O GLOBO

RIO, BRASÍLIA, SALVADOR, RECIFE E FLORIANÓPOLIS - A crise econômica deixou mais longe o sonho de milhões de brasileiros: ficou mais difícil conquistar a casa própria. O aumento do custo de vida e o crédito escasso e caro — que dificultam o acesso da classe média —, além de problemas no programa federal de moradia popular, o Minha Casa Minha Vida (MCMV), dão uma nova dimensão ao desafio da habitação. A piora do cenário atinge quem procura um imóvel para comprar, para alugar e até os que se beneficiam de subsídios públicos. E, segundo especialistas, o risco é que a crise resulte em aumento do déficit habitacional do país, estimado, hoje, em 5,43 milhões de domicílios. Mantidas as condições atuais, levantamento feito pela coordenadora de Projetos da Construção da FGV, Ana Maria Castelo, mostra que o país levará até 50 anos para reduzir este número a um patamar “administrável”, na faixa de um milhão de casas. Isso apesar de todas as melhorias obtidas com a expansão do programa de moradia popular nos últimos anos.

— Levaremos ao menos 50 anos para chegar a um milhão de moradias. O maior desafio está nas regiões metropolitanas — diz Ana Maria.

AO MENOS 1,2 MILHÃO DE NOVAS CASAS AO ANO

O cálculo do déficit habitacional abrange famílias que vivem em condições precárias, as que dividem a mesma casa por falta de opção, as que sofrem com o ônus excessivo do aluguel — quando o pagamento é igual ou superior a 30% da renda de famílias que ganham até três salários mínimos (R$ 2.364) — e as famílias que vivem em imóvel alugado com mais de três pessoas em cada cômodo. Na prática, o indicador tem peso expressivo da moradia popular, mas pode incluir a classe média nas famílias que dividem a casa.

Claudia Magalhães Eloy, pesquisadora do Laboratório de Habitação da FAU/USP, explica que a crise afeta o déficit habitacional de diversas formas:

— A queda na renda e o aumento nos preços de locação pressionam o ônus excessivo de aluguel. Com renda menor, esse gasto compromete mais o orçamento. Já quem perde o emprego pode voltar a morar com a família e aumentar os números de coabitação. Ao mesmo tempo, os governos perdem arrecadação, e isso compromete serviços essenciais, como saúde e escolas, que seriam levados a programas de moradia popular.

Mesmo sem considerar os efeitos da crise atual, estudos preliminares feitos por Claudia e outros dois pesquisadores apontam que já houve aumento no déficit em 2013, último dado disponível, em termos absolutos, puxado principalmente pelo peso maior do aluguel no orçamento, diante da alta dos preços.

Um estudo encomendado pelo Ministério das Cidades mostra que, somente para que o indicador não piore, o país precisa construir 1,2 milhão de casas a cada ano, numa estimativa que abrange todas as classes e tipos de residência. Desde que foi criado, em 2009, o Minha Casa Minha Vida já contratou a construção de 4 milhões de unidades, o que representa média de 666 mil a cada ano. Segundo estimativa da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), foram construídas 1,62 milhão de unidades no país no ano passado, incluindo todas as categorias de imóveis residenciais.

O Ministério das Cidades destaca que a terceira fase do Minha Casa Minha Vida será lançada em breve com a meta de contratar mais três milhões de unidades habitacionais. “Com isso, o objetivo de contratar sete milhões de casas, até 2018, será cumprido e cerca de 28 milhões de pessoas serão beneficiadas com a casa própria”, informou a pasta.

Com o agravamento da crise, porém, já são frequentes os relatos entre prefeituras e construtoras de atrasos no repasse de recursos para obras do programa de habitação popular. O governo atribui as dificuldades ao aperto nas contas.

— Nesse ambiente de ajuste fiscal, tivemos que repactuar com o setor da construção os prazos para pagamentos de obras que já estão prestes a serem concluídas e diminuir o ritmo das que estão mais no início — afirma a secretária de Habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães.

Para especialistas como Sérgio Magalhães, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, a solução para moradia popular deve incluir alternativas.

— Um país como o Brasil não pode ter uma solução única como o Minha Casa Minha Vida. O país desistiu de investir em urbanização de favelas e em recuperar habitações — avalia.

MAIOR DESPESA COM MORADIA DESDE 2006

Para a classe média, o cenário causa apreensão. O próprio custo de manter uma moradia está subindo: o peso dos gastos de aluguel, condomínio, taxa de água e esgoto e luz no orçamento subiu 12% em um ano, passando de 9,84% em julho de 2014 para 11,07% em julho deste ano. É a maior fatia no orçamento desde junho de 2006.

O valor do aluguel foi decisivo para a família do economista Pedro Alex Alves de Macedo. No ano passado, ele procurava um imóvel de até R$ 3 mil por mês, mas aceitou pagar R$ 3.500 por não encontrar o que procurava. Com a queda recente, ele vai se mudar para um mais barato, de R$ 3 mil:

— O aluguel é nosso principal gasto. Vamos poder fazer uma reserva financeira.

O alívio com a recente queda nos preços dos imóveis — após longa escalada que suscitou discussões sobre o risco de uma bolha imobiliária no país — foi acompanhado de aperto nas condições de crédito, com financiamento mais restrito e caro. Até bancos públicos, como a Caixa, elevaram juros e passaram a exigir entradas maiores. Segundo dados do Banco Central (BC), em julho, as famílias brasileiras pegaram R$ 8,9 bilhões em financiamentos imobiliários, uma queda de 26,3% em relação a igual mês do ano anterior. De janeiro a julho, o crédito somou R$ 69,9 bilhões, com queda de 6,9% na comparação com o mesmo período de 2014. Especialistas só preveem uma retomada vigorosa em 2017. Hoje, o brasileiro paga, em média, 10,7% ao ano de juros imobiliários: o maior patamar desde agosto de 2011. A piora do cenário foi brusca. Em 2013, as famílias conseguiam taxa média de 7,63% ao ano, segundo levantamento do Banco Central.

Para quem vive de aluguel, o efeito é similar. Em quatro anos, o peso dessa despesa no orçamento subiu 40%. Com base no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, a inflação oficial), de julho de 2011 a julho deste ano, a fatia do orçamento destinada ao aluguel passou de 2,88% para 4,05%, o que mostra que o preço subiu mais que a inflação no período. O percentual é baixo porque o cálculo engloba tanto as famílias que pagam quanto as que não pagam aluguel. De modo geral, analistas recomendam que o gasto não ultrapasse um terço do orçamento familiar, mas segundo Leonardo Schneider, vice-presidente do Secovi-Rio, o sindicato da habitação, durante a fase de escalada de preços, esse patamar era facilmente superado pelos inquilinos. Nos últimos meses, porém, os valores começaram a cair, num reflexo da crise.

— O custo da moradia vai continuar pesando mais no orçamento das famílias, com exceção do aluguel. Com a crise e a procura menor, o proprietário tende a dar descontos — afirma o professor de Economia da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha.

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