A nova trama do coronel do comércio - ISTOÉ
Democracia e alternância no poder são expressões inexistentes no vocabulário do presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Antônio Oliveira Santos. Aos 90 anos de idade, há incríveis 36 anos ele está à frente da entidade que abriga o Sesc e o Senac. Aos longo dessas quase quatro décadas, construiu um patrimônio superior a R$ 10 milhões, com endereços nobres no Rio de Janeiro, Vitória e São Paulo, além de um avião Cessna 182 e outros bens de menor valor. Tamanho apego ao cargo, talvez possa ser explicado por números tão superlativos quanto o patrimônio.
Embora curiosamente os salários não estejam detalhados na contabilidade da CNC, sabe-se que anualmente são gastos R$ 3,5 milhões apenas com quatro diretores. Outros R$ 5 milhões são destinados a cobrir diárias da diretoria. Em 2015, por exemplo, só em diárias, o “coronel do comércio”, como Santos é tratado por alguns líderes de federações estaduais, recebeu R$ 850 mil da CNC. Como o ano tem 54 semanas, o presidente de 90 anos foi aquinhoado com diárias equivalentes a R$ 15,7 mil por semana. No ano que vem, haverá eleição e mais uma vez, Santos se prepara para conquistar um novo mandato. Para isso, vem trabalhando para alterar os estatutos da CNC.
Segundo as regras atuais, caso o presidente seja impedido de exercer a função, assume o vice com a missão de convocar nova eleição. Santos pretende mudar isso. Quer que, em caso de vacância do cargo maior, o vice assuma o restante do mandato, sem necessidade de eleição. Com isso, o “coronel” aposta na idade avançada para recrutar como vice algum eventual opositor que lhe ameace efetivamente. Tudo para evitar disputa. Não é a primeira vez que Santos recorre a métodos questionáveis para manter-se no poder. Nas últimas disputas, ele não se intimidou em prejudicar as federações lideradas por opositores, promovendo intervenções e cortando recursos.
Engenheiro de formação, o presidente da Confederação Nacional do Comércio, nunca trabalhou no comércio. Em plena ditadura militar, chegou ao comando da entidade, em 1980, com a ajuda efetiva do então poderoso general Golbery do Couto e Silva. Para manter-se no cargo, apesar das inúmeras transformações porque o País passou ao longo desses anos, ampara-se em um orçamento superior a R$ 5 bilhões, arrecadados em forma de imposto sindical e com a contribuição das empresas ao chamado Sistema S e usa critérios muito particulares para distribuir os recursos às 27 federações em todo o País. Onde há focos de oposição, Santos decreta intervenções e corta o fluxo de recursos.
Tanto tempo no poder faz com que Santos administre os recursos da entidade como se fosse seu próprio orçamento doméstico. Criou para a filha Ana uma estrutura do Sesc em Parati (RJ). O terreno onde um dos prédios foi construído estava anunciado por R$ 10 milhões, mas o Sesc Nacional pagou R$ 11 milhões pelo imóvel. Com a nora Chole Lerina, casada com Marco Antônio, o coronel foi mais contido. Abriu para ela uma sala no Sesc da Barra da Tijuca para que ali fosse instalado um brechó privado. Há, no entanto, casos mais escandalosos. Um deles vem chamando a atenção do Ministério Público. Trata-se da construção das torres da CNC em Brasília. A obra foi feita pela Via Engenharia e apenas os dois últimos prédios custaram R$ 200 milhões. Um deles está vazio e custa à entidade cerca de R$ 20 milhões por ano apenas com a manutenção. A Lava Jato já investiga a Via Engenharia por conta de superfaturamento na construção do estádio Mané Garrincha, e os procuradores também irão apurar os detalhes sobre as torres da CNC.
Festeiro e bem relacionado, Santos, no ano passado, comemorou o aniversário no sofisticado Country Clube de Ipanema. Entre os convidados, a ex-ministra do STF, Ellen Grace, e os ex-ministros Bernardo Cabral e Francisco Dornelles. Nos governos de Lula e Dilma, o principal aliado do “coronel do comércio” era o então ministro da Previdência Carlos Gabas. A ligação era tão próxima que o petista, que presidia o Conselho Fiscal do Sesc, disse publicamente que não investigaria as contas de Santos. No caso, pesou mais do que a amizade. Santos e outro diretor da CNC determinaram pagamentos do Sesc à Fundação Perseu Abramo, órgão ligado ao PT, sob o argumento de financiar pesquisas. Esse pagamento está sob investigação em Brasília.
Uma outra mudança de estatuto proposta pelo “coronel” é mais marota. Ele quer que o presidente indique representantes paraórgãos de jurisdição nacional sem o aval da diretoria. Um desses órgãos é o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), cuja atuação dos conselheiros vem sendo acompanhadas de perto pelo Ministério da Transparência e Controle. Um dos investigados é o ex-conselheiro Antônio Lisboa Cardozo, indicado pela CNC. Ele favoreceu a Via Engenharia em processo que soma R$ 45 milhões e foi indiciado pela Operação Lava Jato.