No reino da hipocrisia
“Na base do impeachment não está um partido político, mas a voz de milhões de brasileiros.” Com esta frase a direção nacional do PSDB – que na semana passada fechou questão a favor do impeachment – repeliu a tentativa de Dilma Rousseff de responsabilizar os tucanos – a quem acusou de serem aliados de Eduardo Cunha – pela onda nacional favorável ao afastamento de uma presidente da República cujo sectarismo ideológico e incompetência gerencial e política estão destruindo a economia brasileira e provocando o retrocesso nas conquistas sociais. A frase desarma o argumento de certa intelectualidade comprometida com o populismo lulopetista. Afetando pruridos éticos, petistas enrustidos tentam deslegitimar a iniciativa do impeachment atribuindo-a às condenáveis manobras com que o presidente da Câmara tenta salvar a própria pele e retaliar um governo ao qual declarou guerra por motivos errados.
Na última sexta-feira, Dilma partiu para o ataque, sem mencionar a palavra impeachment: “A base do pedido e das propostas do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é o PSDB. Sempre foi. Ou alguém aqui desconhece esse fato? Porque, se não, fica uma coisa um pouco hipócrita de nossa parte nós fingirmos que não sabemos disso”. Não seria uma hipocrisia a mais ou a menos que afetaria a péssima imagem política da presidente. Mas nada soa mais hipócrita do que Dilma fingir que acredita que a razão de todos os problemas políticos que enfrenta seja a aliança espúria dos tucanos com Eduardo Cunha.
A acusação de Dilma ao PSDB é típica da estratégia petista de se defender atacando e, para tanto, escolher, de preferência, um alvo claramente identificável. No caso, dois alvos: os tucanos, adversários históricos do petismo, e Eduardo Cunha, o inescrupuloso e mendaz presidente da Câmara que se aliou ao lado escuro da representação parlamentar para liderar a política do atraso e, principalmente agora, para colocar todo o poder de seu cargo a serviço da defesa de seu mandato ameaçado.
Assim, os petistas querem fazer o País acreditar que o impeachment é uma questão de simples escolha entre garantir o mandato da presidente da República ou apoiar o vilão Eduardo Cunha e seus aliados tucanos. Não é. Primeiro, porque quem quer ver Dilma pelas costas é a maioria esmagadora dos brasileiros: 2 em cada 3 apoiam o impeachment e apenas 1 em cada 10 está satisfeito com o governo. Segundo, porque a satanização de Cunha é consequência apenas de o Planalto não ter conseguido barganhar o poder dele de barrar o impeachment pelo apoio dos petistas ao arquivamento do pedido de cassação de seu mandato. E esse verdadeiro acordo espúrio não foi fechado, contra a vontade dos articuladores políticos de Dilma – todo mundo em Brasília sabe que Lula, Jaques Wagner e Ricardo Berzoini fizeram tudo para compor-se com Eduardo Cunha –, só porque os três deputados petistas que integram o Conselho de Ética se recusaram a comprometer-se politicamente salvando a pele do presidente da Câmara.
Agora, em desespero de causa, frustrados todos os recursos para tentar se livrar do impeachment na base do toma lá dá cá que consagrou a “governabilidade” petista, Dilma e o que resta de sua base tentam jogar areia nos olhos dos brasileiros com a tese hipócrita de que quem defende o impeachment está praticando um golpe contra a democracia, como se eles próprios, quando estavam na oposição, não tivessem a ideia fixa de depor os presidentes de turno. Lula e o PT patrocinaram, depois da redemocratização do País, “Fora Sarney”, “Fora Collor”, “Fora Itamar” e “Fora FHC”.
Quanto à decisão mais do que tardia do PSDB de declarar-se favorável ao impeachment, é claro que o PT não poderia aceitá-la como o exercício de uma prerrogativa – no caso, mais do que isso, um dever – do maior partido da oposição. Depois que chegaram ao poder, os petistas têm tentado abolir o contraditório na vida política, a começar pela recusa de admitir a existência de “oposicionistas”, que transformaram em “inimigos”. Menos mal que os brasileiros estão mostrando que são capazes de identificar quem é quem nessa pútrida história. O ESTADO DE SP