Lei Antiterrorismo deveria incluir motivação política
Por Editorial / O GLOBO
Investigações sobre o atentado na Praça dos Três Poderes na semana passada mostram que o autor premeditou meticulosamente suas ações. Saiu de Rio do Sul (SC), alugou uma quitinete onde foram encontrados explosivos, instalou um trailer perto das sedes dos Poderes, comprou fogos de artifício, anunciou nas redes sociais seu intuito e se explodiu na frente do prédio do Supremo Tribunal Federal. Em suas redes, foram encontradas críticas ao Supremo, aos presidentes da República, da Câmara e do Senado. Foi um ato com todas as características de terrorismo. Mas não para a legislação brasileira.
O diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirma que não há respaldo jurídico para enquadrar o caso como ato terrorista. Isso porque a Lei Antiterrorismo não prevê motivação política ou ideológica. Aprovada pouco antes da Olimpíada do Rio em 2016, ela define terrorismo como prática que visa a atingir um grupo em razão do preconceito de raça, etnia, cor, religião ou xenofobia. “Não se aplica a conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe, ou de categoria profissional, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais”, diz o texto.
Na época em que a lei foi discutida, no governo Dilma Rousseff, houve pressão de movimentos políticos, partidos de esquerda e diferentes corporações para que a motivação política ficasse fora, sob a justificativa de que a lei serviria para perseguir adversários políticos ou “criminalizar movimentos sociais”. A alegação não faz sentido. Leis antiterrorismo de vários países incluem motivação política e em nada prejudicam os movimentos sociais.
Nos Estados Unidos, a invasão ao Capitólio em 2021 foi enquadrada como “terrorismo doméstico”. A legislação pune “atos criminais cometidos para promover objetivos ideológicos”. No Reino Unido, a lei antiterrorismo inclui ações de cunho político. Na França, em casos semelhantes o Código Penal estabelece punição a quem “perturbar gravemente a ordem pública por razões políticas, ideológicas ou religiosas”. As leis alemãs também contemplam a ideologia. A omissão na legislação brasileira beneficia os extremistas.
O atentado na Praça dos Três Poderes infelizmente não foi o único ato terrorista recente — e nem é preciso discutir as motivações ideológicas dos golpistas que tomaram de assalto as sedes dos Poderes no 8 de Janeiro para encontrar outros exemplos. Também em janeiro de 2023, depois da posse de Lula, pelo menos quatro torres de energia foram derrubadas e outras 16 danificadas em 11 ataques nos estados de São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Rondônia. Às vésperas do Natal de 2022, houve uma tentativa de explodir um caminhão-tanque perto do Aeroporto de Brasília.
Nesta última, os acusados foram condenados por crimes como “expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio”; “causar incêndio em combustível ou inflamável”; “porte ilegal de arma de fogo e artefato explosivo”. Nada de terrorismo. Se o homem-bomba não tivesse morrido no atentado da semana passada, provavelmente seria enquadrado nos crimes de abolição do Estado Democrático de Direito e explosão. Isso resultaria em penas mais brandas que se condenado por terrorismo. É evidente que a legislação brasileira precisa de ajustes para se adaptar à escalada do radicalismo e do ódio. O rigor da lei é uma das condições para que a barbárie não prospere.