Americanos escolhem o populismo autoritário
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O demagogo Donald Trump voltou à Casa Branca após dois processos de impeachment, quatro indiciamentos, uma condenação criminal, dissidências republicanas, a repulsa na mídia e em Hollywood, milhões de dólares a mais doados aos democratas e comparações com Hitler. Sobreviveu ainda a um atentado e, suspeita-se, a uma tentativa. As urnas falaram em alto e bom som.
Não foi um resultado da “desinformação” das redes sociais, como ultimamente têm dito os que perdem eleições para os populistas de direita. Foi uma vitória tão acachapante que os eleitores, ao contrário, demonstraram estar muito bem informados – sobretudo em relação à incapacidade dos democratas de enfrentar o que a maioria dos americanos enxerga como os principais problemas do país.
Com isso, Trump ganhou de Kamala Harris no voto popular por larga margem e o Partido Republicano parecia estar a caminho de conquistar a maioria no Congresso. Considerando-se que Trump já controla a Suprema Corte, o futuro presidente americano terá a faca e o queijo nas mãos para implementar suas promessas de campanha, que incluem deportar milhões de imigrantes ilegais, colocar o Departamento de Justiça a serviço de seu desejo de vingança contra seus adversários, transformar os EUA numa ilha protegida por tarifas e abandonar alianças e acordos militares, comerciais e ambientais, tornando o mundo consideravelmente mais instável.
Se os democratas quiserem atribuir o desastre à misoginia, ao racismo, ao fascismo, o farão por sua conta e risco. O fato é que o presidente Joe Biden falhou em reunir as condições necessárias para reduzir rapidamente a inflação que castigou a classe média americana nos últimos anos. Os índices só começaram a ceder recentemente, com pouco efeito prático sobre os preços, e é provável que seja Trump a colher os louros populares de uma recuperação econômica que já se verifica agora.
Ademais, ao invés de fazer um governo de transição, como prometido, Biden aferrou-se ao sonho da reeleição até se espatifar contra a realidade. Por anos, qualquer um que questionasse suas capacidades mentais era vilipendiado como um agente de desinformação da “extrema direita”. Quando ficou claro que Biden não tinha condições de concorrer, Kamala Harris foi coroada candidata pela elite democrata sem um único voto em eleições primárias. As únicas certezas em sua campanha eram a defesa do direito ao aborto e sua luta contra as ameaças à democracia, preocupações absolutamente secundárias para a maioria do eleitorado, como agora está claro. Ou seja, os democratas abusaram do direito de errar.
Já Trump provou que os americanos estão realmente aborrecidos com o establishment, que os democratas tão bem representam. Para a maioria dos eleitores, não importa que Trump seja um criminoso e um golpista, que não reconheceria o resultado da eleição se lhe fosse desfavorável, como fez há quatro anos. Aliás, já parece suficientemente claro que fazer troça da lei e da Constituição tornou-se um ativo político-eleitoral para Trump, visto como o outsider capaz de desafiar a estrutura jurídica e institucional do “sistema” – nome genérico para designar tudo aquilo que, segundo o discurso trumpista, frustra o sonho de “fazer a América grande de novo”, como diz o slogan de sua campanha e de seu movimento.
Ao desmoralizar espetacularmente o “sistema”, Trump praticamente não terá oposição ao assumir seu novo mandato. Isso obviamente lhe dá enorme liberdade para implementar sua agenda – que, a julgar pelo seu primeiro mandato, dependerá exclusivamente de seu humor. Como Trump é um orgulhoso agente do caos, é impossível fazer qualquer previsão.
Mas então virá o teste da realidade. Se suas políticas resultarem em inflação e desemprego, como alertam economistas de diversas extrações, Trump não terá a quem atribuir a responsabilidade, já que o Congresso e a Suprema Corte estarão sob seu comando. E então as engrenagens do “sistema” voltarão a funcionar, pois é assim que funciona a democracia.
Considerando que Trump não pode concorrer a outro mandato e que daqui a dois anos haverá novas eleições, para a renovação de parte do Congresso e de governos estaduais, ele terá esse curtíssimo período para mostrar serviço e entregar a prometida “era de ouro da América”. Do contrário, será apenas um “pato manco” falastrão.