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Wálter Maierovitch diz que STF precisa voltar a ser técnico: ‘Hoje é um tribunal político’

Por Heitor Mazzoco / O ESTADÃ DE SP

 

Ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o jurista, professor e escritor Wálter Fanganiello Maierovitch diz ser positiva a condução de Luís Roberto Barroso à frente do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem atribui uma posição equilibrada.

 

É neste ponto que, para Maierovitch, a Corte Suprema deve voltar a ser técnica, depois da turbulência causada por quatro anos de Jair Bolsonaro (PL) no poder e dos atos indicativos de golpismo contra a democracia.

 

“Parece que houve uma união no Supremo para se combater, para se preservar a Constituição e o Estado de Direito. Houve uma união, e o Supremo tem essa atividade. Num momento em que o Brasil não tinha o procurador-geral da República, porque essa é a função dele. Nós tivemos o (Alexandre de) Moraes usurpando funções do procurador-geral da República (Augusto Aras), que era filo-bolsonarista, e a gente viu que era. Agora, isso (complacência do Ministério Público) acabou”, disse o jurista. A entrevista foi feita na quinta-feira, 17, antes da divulgação de decisões de Moraes pela ala republicana da Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes dos EUA.

Maierovitch também defende que se amplie e encontre a cúpula que defendeu e ajudou na tentativa de golpe. Para ele, aqueles que invadiram a Praça dos Três Poderes são massa de manobra. “Na cúpula, provavelmente, não vai se chegar. Quem aproveitava tudo isso a não ser o Bolsonaro? O Bolsonaro está aí, livre, leve e solto”, critica.

 

Leia abaixo a entrevista:

Muito do que acontece no Congresso, entre oposição e situação, acaba no Supremo Tribunal Federal. A judicialização é perigosa?

Eu tenho uma visão diferente desse problema da judicialização. Eu acho importante o controle constitucional. O que não se pode é ter, de repente, ministros que passam a não ser mais técnicos e viram políticos. Mas essas são questões de segurança. Eu acho que se a situação é de conflito, bata à porta do Supremo para ver se é constitucional ou não. Eu acho isso salutar à democracia. Muita gente fala: “Ah, por que está tudo judicializado?” Porque emperra, porque, de repente, tem decisão monocrática que o cara põe na gaveta.

 

Veja que o (Luiz) Fux colocou na gaveta auxílio moradia aos juízes. Parou durante mais de um ano. E ele também não se deu por impedido. A filha dele é a desembargadora no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O Brasil passa por uma fase em que nenhum ministro se dá por impedido. E você pega o caso do Alexandre de Moraes, onde ele é vítima. Isso abre um caminho, e o Supremo não está percebendo, está no caminho para os bolsonaristas terem um discurso. E, às vezes, com razão. Então, num país polarizado, o Supremo dá muita coisa de bandeja para o bolsonarismo de matriz fascista.

 

Inquéritos que não foram encerrados ainda são exemplos?

 

Veja bem, o que diz o Código de Processo Penal? Diz que o inquérito com relação ao indiciado, ou ao suspeito solto, tem duração de 90 dias. Você não pode eternizar.

A decisão da maioria do STF em definir como inconstitucional o inciso VIII, do artigo 144, do Código de Processo Civil, sobre juiz poder julgar casos que envolvam escritórios de parentes é legítima?

 

Isso é um pontapé na história. Os romanos já falavam que não basta a mulher de César ser honesta, tem que parecer honesta. Imagina alguém advogando, vamos pegar o caso concreto, que foi com a mulher do (ministro Dias) Toffoli. Um caso bilionário de multa da J&F. Hoje se fala muito disso, que são advogados associados.

 

Um escritório com 80 advogados associados. A mulher do ministro é uma delas. E ela não estava na procuração. Se fala isso. Pergunta-se: “Advogados associados no final do mês dividem o lucro?” Ou falam: “Não, nós vamos tirar isso aqui porque você é mulher do ministro, então você não vai entrar na partilha. Você não assinou a inicial”.

 

Se a gente pegar, por exemplo, a mulher do Gilmar Mendes não assina inicial nenhuma. E ela é, por competência, diga-se, a que chefia o maior escritório do Brasil, em Brasília. Então, ministro do Supremo, com relação a esposa, irmão, prima, o que tiver, é sempre problemático. Alguém vai falar: “Mas a mãe, a mulher não pode trabalhar?” Mas não é isso. É o contrário. É ele que deve se declarar impedido.

 

O impedimento é mais, digamos, grave do que a suspeição…

 

Sim. Não sei se existe ainda no Tribunal de Justiça, quando você era promovido por um desses tribunais, você colocava uma lista, porque a distribuição é eletrônica, para já se dar por impedido. Se é do escritório e tal, estou impedido. E funcionava. Se um ministro, um juiz, que a mulher trabalha num escritório, mesmo sem procuração, sem assinar, por motivo de foro íntimo, tinha que se dar por suspeito, por impedido.

 

Se torna um efeito cascata…

Exatamente. Gera uma desconfiança, uma desconfiança com procedência, evidentemente, não é uma desconfiança sem fundamento, não. Então, eu acho péssimo. O Supremo tinha que voltar a ser um tribunal técnico, e não mais um tribunal onde se está verificando é um tribunal político. Parece que houve uma união no Supremo para se combater, para se preservar a Constituição e o Estado de Direito. Houve uma união, e o Supremo tem essa atividade. Num momento em que o Brasil não tinha o procurador-geral da República, porque essa é a função dele. Nós tivemos o (Alexandre de) Moraes usurpando funções do procurador-geral da República, que era filo-bolsonarista, e a gente viu que era. Agora, isso acabou.

 

Se você vê essa briga com o (Elon) Musk, estão tomando o lugar do procurador-geral da República. Está na hora do Ministério Público, que falhou ao tempo do (Augusto) Aras, e o Conselho Federal do Ministério Público também falhou ao tempo do Aras, porque podia tacar um processo administrativo contra ele (Aras). E o Senado falhou duplamente, porque está na Constituição que o Senado pode dar o cartão vermelho para o procurador-geral da República a qualquer tempo do mandato, pode cassar o procurador-geral da República. Além de não fazer isso, reelegeram o Aras. Eu acho que agora nós tivemos essa turbulência, tivemos um risco, mas esse risco não existe mais. Bolsonaro não é mais presidente da República, não é mais chefe de Estado e nem de governo. Está na hora do Brasil voltar a respirar ares de Estado de Direito e se aperfeiçoar nisso.

 

Cabe ao STF julgar o casos dos golpistas que invadiram a Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro?

Tem um ataque ao Estado Democrático de Direito, um golpe de Estado, mas nós temos também uma Constituição que não estabelece o foro sendo o Supremo Tribunal Federal. Acho que não (deve ficar no STF). Não tem competência, não tem legitimação. E, dentro de uma política judiciária, o Supremo deve ficar como órgão revisor, mantidas as instâncias. A última palavra vai ser dele, lá em sede de revisão, se chegar. Mas eu acho que usurpação de instâncias não é bom. Como também é péssimo essa decisão de mudança de foro por prerrogativa de função. A jurisprudência estava amadurecendo, porque data de 5, 6 anos. Porque está claro, se tem o foro por garantia, é uma garantia esse foro, uma garantia de imagem, por prerrogativa de uma função. Se a função acabou, acabou o foro. Então, como eu te falei lá atrás que isso dá discurso aos bolsonaristas, é aí que dá. Como se vai justificar? Bolsonaro já não é mais nada. Por que ele não vai para o foro adequado? E o Supremo, de repente, muda e fala “não”. Antes nós decidimos, e tinha a jurisprudência, que acabou a função, acabou o foro. Como é que o Bolsonaro ainda tem foro por prerrogativa de função?

 

Bolsonaro deixou a Presidência da República no dia 31 de dezembro de 2022. Quase um ano e meio depois o STF vai mudar a regra e, digamos, regularizar a questão e deixar os inquéritos no STF...

Veja, é sempre difícil para um legalista, porque às vezes falam: “Você está com esse raciocínio favorecendo o bandido ou aquele apontado como bandido”. Mas, veja, será que só a justiça do Supremo é boa? Só ele sabe julgar? O que está fazendo o (Chiquinho) Brazão no Supremo? Ele tem foro por prerrogativa de função? Ele era vereador quando ocorreram os fatos. Tem correlação entre os dois homicídios e uma tentativa? A tentativa da assessora no caso Marielle Franco. Tem alguma correlação com a função dele à época de vereador? Olhando claramente, o que diz a Constituição com relação à prisão de parlamentar? Só pode ser em flagrante delito. Tem situação de flagrância? E como é que se decreta isso? Então, fica sempre uma suspeita de que é tudo um ajeito político.

 

O que o senhor acha da atuação do ministro Alexandre de Moraes?

Eu acho que o Alexandre de Moraes ultrapassa o sinal. Ele invade atribuições do Ministério Público. Em vários casos. Inclusive desses dos inquéritos. Inclusive chamando a competência, inclusive não se afastando em alguns casos. E, às vezes, promovendo coisas risíveis, como o episódio no aeroporto de Roma. O juiz tem que saber engolir sapos. O Alexandre de Moraes vai até o extremo que ele se habilitou como assistente de acusação no caso de Roma. O Alexandre de Moraes, acho que ainda não vestiu a toga. Ele continua com a beca de promotor de Justiça.

E o corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão?

O Salomão, eu me surpreendo nesse quadro aí (sobre afastamento da juíza Gabriela Hardt, o que foi revogado no dia seguinte pelo CNJ). Diante dessa decisão dele. Não tem outros elementos para ele. E o que se fala nesse jogo político é que ele foi o candidato do Moraes e do Gilmar Mendes para o Supremo na vaga do (Ricardo) Lewandowski (que se aposentou e hoje é ministro da Justiça). Não foi feliz por causa disso. Tinha um (Flávio) Dino (escolhido para a vaga) ali, forte. Então, em cima disso, o Supremo agachado. Barroso já percebeu que aquela união necessária já está ultrapassada. Até ele tem um discurso recente falando de volta, não sei a expressão exata, mas uma volta à normalidade. Ainda bem que ele, Barroso, está na presidência, porque ele tem se comportado sempre de uma maneira mais equilibrada.

 

Como o senhor vê a relação entre Senado e Supremo?

O sistema do check and balance (freios e contrapesos) passa a não funcionar a partir do momento em que o senador vai apreciar, julgar impeachment. Por outro lado, ele está sujeito à jurisdição do Supremo. Geralmente tem muito processo. Então, como é que o Supremo vai julgar o senador? E como é que o senador vai julgar o impeachment do ministro do Supremo? Um fica julgando o outro. O que acontece nesse sistema? É um sistema falho, porque um inibe o outro. Agora, é preocupante que o Supremo, tendo em vista o que aconteceu, queira ainda ter uma atribuição extra. De repente, vamos manter tudo aqui para a gente manter o poder, quando o sistema, criado pelo Montesquieu, é que os poderes são independentes e harmônicos.

 

E, por outro lado, respostas que não convencem. Por exemplo, veja a resposta ao golpismo do 8 de janeiro. Você viu um monte de golpistas processados e presos. São golpistas que foram usados como massa de manobra. E aí? E o resto? Cadê? Ontem (terça-feira, 17) aconteceu uma (fase de operação) da Polícia Federal (26ª etapa da Lesa Pátria) e disseram: “Estamos atrás dos que financiaram o golpe”. Tinha quatro ou cinco aí de financiadores suspeitos. E os militares? Pegaram esse pessoal de massa de manobra. Não estou dizendo que são inocentes, ao contrário, são golpistas. Pena exagerada, exageradíssima. Na cúpula, provavelmente, não vai se chegar. Quem aproveitava tudo isso a não ser o Bolsonaro? O Bolsonaro está aí. Livre, leve e solto.

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