ESTADÃO / ECONOMIA EDVAR EDVAR Dívida do Brasil deve se aproximar de 90% do PIB até o início da próxima década
Por Luiz Guilherme Gerbelli / O ESTADÃO DE SP
A economia brasileira caminha para um horizonte delicado nos próximos anos. Na previsão de analistas, a dívida do País deve se aproximar de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) entre o final desta década e o início da próxima.
Se confirmada, essa conjuntura vai reforçar uma tendência bastante negativa para o Brasil. Isso porque o País já tem um elevado endividamento para uma economia considerada emergente.
“O nosso cenário básico é de uma dívida crescente”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências. “E, por trás disso, está a dificuldade que o governo vai ter para chegar a um resultado primário zero e fechar as contas.”
Na previsão da Tendências, a dívida bruta deve subir a 88,4% do PIB até 2029 e se estabilizar nesse patamar. Uma queda está prevista para 2031, quando deve recuar para 88%.
“A dívida deve subir sem parar nos próximos dez anos”, afirma Gabriel Leal de Barros, sócio da Ryo Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI). Ele prevê o pico de 89,7% do PIB em 2031 e um recuo a partir de então, chegando a 87% do PIB em 2034.
Em nota ao Estadão, o Ministério da Fazenda afirma que o novo marco fiscal e “medidas de recomposição da base fiscal e de melhoria do ambiente econômico” (como a reforma tributária e novo marco de garantias) permitem ao Tesouro Nacional estimar uma estabilização da trajetória da dívida em 2026 abaixo de 80% do PIB.
Por que é um problema?
Mais endividado do que países emergentes de economia similar — a média desse grupo é de uma dívida bruta de 57,7% do PIB, segundo a Tendências —, o Brasil acaba lidando com uma série de limitações. Tem, por exemplo, uma margem menor para reagir a choques externos e internos.
Para responder aos estragos provocados pela pandemia de covid, o País teve de ampliar os seus gastos para socorrer empresas e pessoas. De 2019 a 2020, a dívida bruta aumentou de 74,4% para 86,9% do PIB.
“Com esse nível elevado, qualquer choque pode jogar a dívida para um campo muito mais complicado”, afirma Alessandra.
A trajetória da dívida brasileira também é observada de perto pelas agências de classificação de risco — a economia perdeu o grau de investimento em 2015 — e faz com que os investidores exijam um juro mais alto para financiar a dívida brasileira.
“Na década passada, houve um aumento muito forte de gastos e uma queda da arrecadação. Ou seja, o País começou a ter uma política fiscal mais expansionista. Passamos de um superávit primário para um déficit muito forte, e a dívida começou a subir”, diz Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank.
Mudança de meta
Para conseguir estancar o endividamento, o País precisa entregar superávit primário — o resultado positivo entre receitas e despesas, sem contar o gasto com juros. Entre os analistas, essa conta varia, mas um saldo positivo ideal ficaria na faixa de 1,5% a 2% do PIB.
“Uma regrinha de bolso seria um superávit primário de cerca de 2%”, diz Salles. “Seria compatível com a estabilização da dívida, mas ainda estamos lutando para sair do negativo e ir para o zero.”
Quando apresentou o arcabouço fiscal, a equipe econômica prometeu entregar um resultado primário zero já em 2024 e chegar a um superávit de 1% do PIB em 2026. Mas esse plano de voo pode mudar.
No fim de outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil “dificilmente” atingirá o resultado primário zero no ano que vem.
Com os indícios de que a economia brasileira deve desacelerar em 2024, ano de disputa eleitoral nos municípios, Lula tem deixado claro que não planeja fazer um controle rígido de gastos, como contingenciamento. Já afirmou, por exemplo, que, “para quem está na Presidência, dinheiro bom é dinheiro transformado em obras”. Por ora, a sinalização é que o governo deve propor um déficit de 0,25% ou 0,5% do PIB como meta para o ano que vem.
“Será preciso ver qual é a capacidade do Lula de aguentar a desaceleração econômica”, afirma Barros. “Desaceleração econômica bate em popularidade, e o governo pode tomar decisões, que ampliam o risco fiscal, para evitar isso.”
Os sinais de uma economia pior se somam à dificuldade do governo em colocar de pé as medidas arrecadatórias que foram enviadas para o Congresso. Com base no roteiro original, para zerar o déficit das contas públicas no próximo ano, a equipe econômica depende dos parlamentares para conseguir ampliar a receita em R$ 168,5 bilhões.
Difícil subir a carga
O que os economistas dizem, no entanto, é que ficou mais difícil para o governo conseguir melhorar o quadro das contas públicas apenas com aumento de carga tributária. O ideal também seria rever os gastos realizados.
“A gente chegou num ponto de carga tributária muito elevada no Brasil. A gente roda há 10, 15 anos com uma carga próxima de 33% de PIB”, diz Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter. “Existe uma incapacidade na economia de fazer mais aumentos de carga tributária.”
“Apesar de ter de um amplo espaço para cortar despesa, o governo fez uma escolha de fazer o ajuste via carga tributária. Pelas minhas contas, são R$ 700 bilhões de espaço para cortar em despesas em dez anos, com reforma administrativa, fusão de políticas sociais”, acrescenta Barros.
O grande nó é que mexer em gastos passa por uma agenda impopular. Não há muito mais o que cortar de despesas discricionárias e o que o futuro reserva, de acordo com analistas, é um encontro com as despesas obrigatórias.
O cenário deve ser ainda mais difícil porque governo tem patrocinado aumento de despesas. Garantiu, por exemplo, o ganho real do salário mínimo, com impactos nos gastos com Previdência e programas sociais, e reajustes para funcionários públicos.
“O governo subiu a barra e está gastando mais em coisas que não consegue cortar”, afirma Alessandra, da Tendências. “A dinâmica de gastos obrigatórios está pior do que a gente viu nos últimos anos.”
Pela regra desenhada do arcabouço fiscal, se o governo não cumprir e meta de resultado primário, as despesas só poderão crescer 50% da variação de receita, em vez de 70%, como prevê o desenho original. A meta de cada ano tem uma margem de tolerância de 0,25 ponto porcentual para mais ou para menos.
Nas contas feitas por Rafaela Vitória, do Inter, o arcabouço é suficiente para devolver ao País um superávit capaz de estacar o aumento da dívida. “Como o arcabouço permite o crescimento de gastos, o ajuste acaba sendo um pouco mais lento. Considerando o desenho de hoje, a nossa previsão é chegar nesse superávit de 1,5% por volta de 2028″, afirma. “A questão é: o arcabouço vai ser cumprido?”