‘O arcabouço fiscal bateu um recorde: está desfeito antes de começar a operar’, diz Schwartsman
Por Luiz Guilherme Gerbelli / O ESTADÃO DE SP
Ex-diretor do Banco Central, Alexandre Schwartsman avalia que as últimas sinalizações do governo na área fiscal vão deixar o Brasil “mais medíocre” do que já é. “Vamos trabalhar com inflação mais alta, juros mais altos e crescimento mais baixo”, diz.
A preocupação com o rumo das contas públicas ganhou corpo na sexta-feira, 27, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o governo não atingirá o resultado primário zero no ano que vem. Na segunda-feira, 30, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se negou a responder se a gestão atual está comprometida com a meta de acabar com o déficit.
“Foi uma mensagem muito ruim. Eu acho que colabora no sentido de mostrar que o fundamento fiscal do País é ruim”, afirma.
A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Qual é o impacto da fala sobre o não cumprimento da meta de resultado primário zero no ano que vem?
É um reconhecimento de um fato que a gente já vem falando há algum tempo, de que as contas não fecham. Agora, uma coisa é a gente, do lado de fora, dizer que tem problema. No melhor cenário, a gente imagina que, se tem problema, (o governo) vai adotar medidas para corrigir. Mas o que vemos é: ‘tem problema, mas a gente não vai fazer.’ E, no caso, desautorizando diretamente o ministro da Fazenda. Não é à toa que Fernando (Haddad) teve uma reação tão ruim como a que ele teve hoje (segunda) de manhã. Eu estava vendo o vídeo (da entrevista coletiva), e ele estava profundamente irritado. Não respondeu. Porque ele não tem uma resposta para isso. Foi uma mensagem muito ruim. Eu acho que colabora no sentido de mostrar que o fundamento fiscal do País é ruim e o impacto foi imediato no mercado de juro.
Poderia detalhar esse impacto?
Não vai alterar o resultado do Copom desta semana, mas a gente já começa a discutir qual mensagem que vai sair dessa história. Corremos o risco de ver o Banco Central colocar no balanço de riscos alguma coisa acerca de que a firmeza quanto ao compromisso fiscal já não é a mesma e isso acaba tendo algum impacto na política monetária lá na frente.
E já num cenário que estava mais difícil por causa do ambiente internacional...
Eu até acho que um mundo em que o juro lá fora é mais alto traz uma dificuldade adicional. Mas, concretamente, não tem uma relação tão direta entre o juro lá fora e o juro aqui dentro. Se pegar as taxas longas de juros, o (juro de) 10 anos real norte-americano e o de 10 anos real brasileiro, não tem uma relação de um para um. Você pode contornar essa restrição, desde que se tome medidas para reduzir o risco percebido. A diferença do juro real brasileiro relativamente ao juro real norte-americano pode ser pensada também como uma medida de risco fiscal. Se você tomar medidas nessa linha, não chega a virar um imperativo de que não pode baixar (a Selic) porque lá fora está subindo. Desse ponto de vista, mais sério do que os juros lá fora subindo, é que não estamos tomando os passos concretos para a redução do risco aqui dentro.
Podemos ver juros mais altos por um período maior, então?
Se você vem com uma política fiscal mais frouxa, a monetária tem de ser mais apertada. Não tem muito segredo. Não é por outro motivo que a gente viu a mudança no Focus. Estava trabalhando com 9% e puxou para 9,25%. O Banco Central já vai usar 9,25% nas suas simulações. Também é uma questão de governança. Ele pega a trajetória da Selic da sexta-feira anterior ao Copom. Já vai incorporar isso. Obviamente, não é esta semana que eles vão mudar o ritmo, provavelmente não é na próxima reunião que eles vão mudar o ritmo, mas eu acho que a gente pode ver alguma sinalização a este respeito.