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Intermediária da Covaxin ganhou R$ 9,5 milhões de clínicas como 'adiantamento' por vacina que não chegou

Natália Portinari e Julia Lindner / O GLOBO

 

BRASÍLIA - A Precisa Medicamentos, empresa que vendeu a vacina indiana Covaxin ao Ministério da Saúde, arrecadou pelo menos R$ 9,5 milhões vendendo o imunizante a 59 clínicas privadas no início do ano, segundo documentos obtidos pela CPI da Covid. As empresas pagaram um “sinal” de 10%, mas ficaram sem a vacina. Algumas buscam um ressarcimento, já que o prazo contratual para a entrega das doses, estipulado no final de abril, expirou.

Procurada, a Precisa não comentou o caso até a publicação dessa reportagem. Os negócios não foram adiante porque, além de a vacina não ter sido aprovada pela Anvisa, o Congresso não liberou clínicas privadas para vacinarem seus clientes contra Covid-19 até agora. O GLOBO ouviu donos de clínicas de vacinação, alguns dos quais pediram anonimato, sobre os contratos.

A oferta de Covaxin para clínicas privadas foi feita entre o fim do ano passado e fevereiro deste ano, antes do contrato com o Ministério da Saúde, agora investigado pela CPI e pelo Ministério Público Federal (MPF). Em 25 de fevereiro, o governo comprou 20 milhões de doses de Covaxin por R$ 1,6 bilhão, contrato suspenso após descumprimento de seus prazos pela Precisa Medicamentos.

O menor preço oferecido pela Precisa às empresas privadas era de US$ 32,71 para quem comprasse mais de 100 mil doses. O valor é mais que o dobro dos US$ 15 pagos pelo ministério. Na época, havia a expectativa de que o Congresso aprovasse um projeto que previa a doação de 50% das vacinas adquiridas pelo setor privado para o SUS, o que duplicaria os valores, segundo fontes que participaram do negócio.

Na faixa mínima de doses oferecidas, de 2 mil até 7,2 mil doses, o valor praticado era de US$ 40,78. Por volta de 30 empresas optaram por essa modalidade, segundo documentos em mãos da CPI.

O contrato padrão, a que a reportagem teve acesso, previa que as clínicas deveriam pagar 10% de adiantamento e, depois, 20% do valor do contrato em dois dias úteis após a publicação do registro da vacina pela Anvisa. Os demais 70% viriam no momento da importação.

Em comunicação com o Ministério da Saúde, a Precisa demonstrou preocupação em obter logo a aprovação da agência para importar a vacina. O funcionário do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda relatou à CPI ter sido pressionado por superiores a enviar logo a documentação da Covaxin para a Anvisa, mesmo incompleta.

Pedidos de devolução

Os contratos previam a devolução do valor antecipado caso as vacinas não fossem entregues até 30 de abril. Uma empresária, que não quis se identificar, conta que após o fim de abril, a Precisa fez diversas reuniões prometendo entregar as doses adquiridas por sua clínica, pelas quais ela já havia desembolsado cerca de R$ 120 mil.

A clínica então “chegou num limite de espera” e pediu o dinheiro de volta. Segundo a empresária, a Precisa não respondeu a nenhum e-mail ou telefone até receber uma notificação da advogada da clínica. A empresa então concordou em devolver os 10% do “sinal”.

Nas contas bancárias da Precisa Medicamentos, enviadas à CPI, o GLOBO localizou apenas três devoluções de valores para clínicas privadas no período analisado, até junho, totalizando R$ 147 mil. As empresas receberam exatamente o mesmo valor que pagaram.

Ações na Justiça

A Precisa foi processada por pelo menos duas clínicas que pediram seu dinheiro de volta no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a Clínica de Vacinas MDC e a Alliar. Nos dois casos, a empresa se recusou a devolver os valores como era determinado em contrato.

Findo o prazo de entrega, sem previsão de aprovação pela Anvisa, a MDC pediu de volta os R$ 66 mil que pagou antecipadamente. A Precisa disse que só devolveria 80% do valor, ficando o resto como uma multa a que dizia ter direito. A clínica entrou com uma ação judicial e conseguiu comprovar que o contrato não previa essa multa citada pela Precisa.

A Alliar, por sua vez, pagou R$ 1 milhão à Precisa e pediu o dinheiro de volta após a promulgação de uma lei que proibia expressamente a vacinação por entes privados antes da imunização de grupos prioritários no Programa Nacional de Imunização (PNI). O pedido, feito à Justiça estadual paulista em 13 de julho, ainda não foi apreciado.

Alguns donos de clínicas, por outro lado, relatam que tiveram uma boa experiência com a Precisa. Paula Távora, sócia da clínica Vacsim em Belo Horizonte, desembolsou R$ 1,2 milhão como adiantamento por doses da Covaxin e espera receber o dinheiro de volta.

— Nós fizemos o pedido de distrato da proposta, nós recuamos da nossa intenção. Eles assinaram o termo de distrato com muita coerência e correção. Estou lamentando muito o que estou ouvindo sobre a Precisa. O valor vai ser devolvido agora integral no dia 30 de julho. Eu não tive estresse nenhum com eles — diz a médica ao GLOBO.

Bruno Renato Filho, da BRL Distribuidora de Vacinas, disse que não pediu de volta o R$ 1,7 milhão que repassou à Precisa em fevereiro porque acredita que ainda conseguirá importar a vacina após a autorização de uso emergencial da Anvisa. Ele fez a compra já pensando em revender as vacinas para clínicas e diz que segue achando ser um bom negócio.

— Foram 100 mil doses. Se uma (clínica) comprar as 100 mil doses, para mim está bom.

Associação de clínicas

Em diversas clínicas, o contato foi feito através da Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVAC). A associação firmou um contrato de parceria com a Precisa em 29 de janeiro de 2021 prevendo condições padronizadas para a compra. Na época, segundo apurou o GLOBO, a Precisa esperava vender 5 milhões de doses da Covaxin ao setor privado.

A associação, sem fins lucrativos, nega ter qualquer participação remunerada no negócio e diz em nota que “esse documento (o contrato de parceria com a Precisa) perdeu seu objeto com a impossibilidade de entrega de vacinas no prazo acordado”.

No início de janeiro, representantes da ABCVAC estavam com a Precisa em uma comitiva à Índia que visitou as instalações da Bharat, fabricante da vacina. A Embaixada do Brasil em Nova Déli registrou que Francisco Maximiano, presidente da Precisa, foi atendido pelos diplomatas como representantes da ABCVAC. A associação assume ter acompanhado a viagem, mas nega ter estado presente nessa reunião específica.

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