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As Santas Casas e as políticas públicas

Ruy Martins Altenfelder Silva, O Estado de S.Paulo

13 de julho de 2021 | 03h00

Misericórdia do latim “miseris codare”. E os miseráveis são todas as pessoas que de um modo ou de outro se encontram em necessidade.

Na busca das origens das Santas Casas, o padre italiano Antonio Puca, autor do livro pesquisa As Santas Casas de Misericórdia – de Florença a São Paulo, a epopeia da caridade, encontra as raízes das irmandades fundadas por São Pedro Mártir, em 1244 e pela rainha Leonor de Lencastre, em 1498.

Destaque para as dificuldades financeiras cíclicas permanentes de todas elas, onde as causas são coincidentes: maiores responsabilidades e menores aportes financeiros.

A Misericórdia de Lisboa (1851) passou por grave crise financeira e diversas medidas foram implantadas: em síntese, “maior rigor no controle das despesas e na fiscalização das obras; e prestação de contas ao governo”.

Simultaneamente, em face da aplicação das leis de desamortização, a Misericórdia de Lisboa viu-se obrigada a vender parte significativa dos bens imobiliários e aplicar o produto da venda em títulos do Tesouro.

Vítimas de falta de interesse crônica pela saúde pública, as Santas Casas de Misericórdia sobrevivem graças aos esforços daqueles que trabalham nelas e ao trabalho voluntário de membros das comunidades locais. Seus conselhos administrativos (mesas) tentam conciliar as diferenças entre o alto custo da medicina moderna e os pagamentos simbólicos, frequentemente atrasados, buscando renda atendendo clientes privados e economizando com sua própria produção de alguns remédios, alimentos, caixões e outros bens.

Muitas vezes os presidentes precisam lutar incansavelmente com as autoridades para conseguirem receber o pagamento de impostos devidos a seus hospitais. As Misericórdias costumavam receber doações, eram incluídas em testamentos privados, uma tradição que praticamente desapareceu com o advento dos planos de saúde oficiais e privados.

As admiráveis Misericórdias estão entre as mais dedicadas, extensas, perseverantes e duráveis instituições humanas. No caso brasileiro, nem todas as realidades atingem o mesmo padrão, mesmo por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), do qual depende a maior parcela de recursos para sua gestão.

Compreende-se que as Santas Casas de um Estado ou as das periferias sejam penalizadas em relação às existentes nos grandes centros urbanos. Daí a urgente necessidade de uma profunda reforma na direção da subsidiariedade.

Os milhares de Santas Casas de Misericórdia brasileiras somam dois terços dos leitos hospitalares no País. Elas também têm servido para o ensino médico. A Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo é um exemplo de instituição modelar.

Não posso deixar de mencionar os relevantes papéis dos humanistas Cristhiano e Mário Altenfelder, meus tios. Como é tradição na Santa Casa, os seus provedores chegam ao cargo depois de ocuparem diversos e importantes postos na vida pública do Brasil e do exterior. Homens maduros, experientes, vacinados contra as emoções externas, guardando o coração de moços e o ideal de cidadãos que os embates da vida jamais fizeram esquecer, era de esperar que, satisfeitos embora, considerassem essa missão apenas como outra de longa série.

Quem os conhecia decorava os princípios que seguiam para quem exerce cargo de direção: ser capaz de amar o próximo; ser moderado e justo em qualquer situação; adaptar-se ao trabalho e gostar dele; atualizar-se sem deslumbramento e jamais perder o bom senso; recusar, corajosamente a liderança da mediocridade; viver a vida com realidade. Ela é o que é e não o que gostaríamos que fosse; ter mecanismos de defesa sadios, elevados, jamais desarrazoados ou mesquinhos; considerar sempre valores de larga duração; libertar-se de emoções infantis. Ser adulto, ter maturidade.

O relevante papel dos hospitais filantrópicos sinaliza as urgentes e inadiáveis providências que precisam ser tomadas pelo poder público: Renegociação de suas dívidas, reposição parcial ou total das dívidas das perdas acumuladas, revisão e adequação da tabela do SUS e oferta de linhas favorecidas.

É cada vez mais urgente a revisão da política pública da saúde para evitar a repetição da crise que o Conselho Federal de Medicina chamou de “mais um episódio dramático na história da saúde pública brasileira”. Crise esta que pode se agravar com a pressão dos milhares de pacientes que estão abandonando os planos de saúde em razão dos custos e da crise econômico-financeira conjuntural e queda da qualidade no atendimento particular e que engrossou as filas das portas estreitas da rede pública de saúde, agravada pela pandemia que vem atacando os seres humanos.

A relevância dessas instituições sinaliza urgentes, inadiáveis e necessárias providências. Santas Casas: Casas Santas (Paulo Bomfim e Jorge Mansur).


PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS JURÍDICAS (APLJ) E DO CONSELHO SUPERIOR DE ESTUDOS AVANÇADOS (CONSEA/IRS)

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