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Direita, esquerda, centro: qual a origem destes termos na política e quais suas diferenças

De direita. É assim que se define a maior parte da população de Fortaleza, segundo pesquisa O POVO Datafolha realizada no início de novembro. Ao todo, 38% dos entrevistados se declaram de centro-direita, direita ou de extrema-direita; contra 28% dos que se apresentaram como centro-esquerda, esquerda ou extrema-esquerda.

O dado é curioso tendo em vista que, a despeito da proporção maior à direita, os últimos quatro gestores municipais foram eleitos em partidos que se identificam à esquerda. A pesquisa também mostra 21% dos fortalezenses se classifica como de centro, enquanto 7% não sabe dizer com qual espectro ideológico está identificado.

Nas eleições municipais deste ano, a disputa no primeiro turno pela Prefeitura de Fortaleza foi encabeçada por dois candidatos de siglas - em tese - ideologicamente opostas, José Sarto (PDT, à esquerda) e Capitão Wagner (Pros, à direita). Agora, no dia 29 de novembro, o eleitor da Capital cearense deve voltar às urnas para optar por um destes dois, em mais uma reedição da disputa esquerda-direita.

E, no entanto, esta divisão ideológica, muitas vezes opaca no cenário brasileiro com seus 33 partidos políticos, continua a semear dúvida entre vários eleitores. O Google Trends, por exemplo, aponta que, de julho a novembro, uma das pesquisas mais realizadas sobre Partido Democrático Trabalhista (PDT) é se a sigla é de direita ou de esquerda.

Há, de modo geral, certa dubiedade no entendimento do que é direita, do que é esquerda e como identificá-las. Vamos entender sua origem e suas diferenças:

A origem da esquerda e direita política

A despeito de todas as negociações, a discussão iniciada em 1789 não foi suficiente para aplacar os ânimos e, em 1793, estouraria a Revolução Francesa
A despeito de todas as negociações, a discussão iniciada em 1789 não foi suficiente para aplacar os ânimos e, em 1793, estouraria a Revolução Francesa (Foto: Reprodução/Wikicommons)

 

Na França pré-Revolução, um dos principais órgãos de decisão política da vida do país era a Assembleia dos Estados Gerais. Ela era composta por três estados, que representavam as classes sociais: o primeiro estado era o clero, o segundo estado a nobreza, e o terceiro estado representava todo o resto da população. No entanto, na hora de votar, cada estado tinha apenas um voto. Assim, embora o terceiro estado fosse o maior, não costumava ter seus interesses atendidos pois o clero e nobreza votavam juntos, formando uma maioria.

Em 1789, a Assembleia dos Estados Gerais foi reunida para discutir a crise econômica do reino. O terceiro estado, o mais castigado pela crise, estava em convulsão, e a situação degringolou de um modo que o rei não teve escolha senão aceitar a formação de um outro órgão, mais equilibrado, que iria escrever as novas leis do país: a Assembleia Nacional Constituinte.

Nesta nova Assembleia, os opositores sentavam-se separados. Segundo lembra o filósofo italiano Norberto Bobbio, do lado direito das cadeiras estavam clero e nobreza, além dos representantes da alta burguesia. Eles tendiam a votar por manter o status quo que os beneficiava, apoiavam o rei e tinham propostas mais moderadas de reforma do Estado francês. Já nos assentos do lado esquerdo sentavam as camadas mais populares, a pequena burguesia, em suma, a parcela mais numerosa da população, que propunha mudanças revolucionárias.

A partir daí, criou-se uma associação de direita ser sinônimo de conservadorismo (no sentido literal de conservar o que está posto), enquanto esquerda seria sinônimo de mudança, transformação. A despeito de todas as negociações, a discussão iniciada em 1789 não foi suficiente para aplacar os ânimos e, em 1793, estouraria a Revolução Francesa.

O modelo físico da Assembleia Nacional Constituinte francesa, inclusive, é o mesmo do Parlamento britânico (um dos mais antigos do mundo), em que os partidos Conservador (direita) e Trabalhista (esquerda) sentam frente em frente, em lados opostos. Contudo, esta díade direita-esquerda, séculos depois, perdeu parte da conotação inicial e ganhou novas compreensões.

Direita e esquerda nos séculos XX e XXI

Se, em sua origem, direita e esquerda opunham conservadores a fim de manter o status quo e revolucionários em busca de destruí-lo, nos séculos seguintes esta oposição acabou sendo utilizada em outros contextos.

Ao longo do século XX, após os eventos como a Revolução Russa, as Guerras Mundiais e a Guerra Fria, cristalizou-se uma percepção de que a direita seria conservadora nos costumes e liberal na economia (mais favorável à iniciativa privada e menos à presença do Estado); enquanto a esquerda seria progressista na pauta de costumes e mais favorável a intervenção estatal, seja na economia ou em outras esferas da vida.

Houve, portanto, certo entrelaçamento entre termos como direita e esquerda a termos como liberal ou conservador e socialista ou comunista, mas eles não são sinônimos. “Há uma certa confusão entre certos espectros, direita e esquerda, liberal e conservador, muitas vezes ao chamar alguém de direita parece que necessariamente você quer chamá-lo de conservador. Pode convergir, mas não necessariamente”, explica Monalisa Soares, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC).

No Parlamento britânico, um dos mais antigos do mundo, governo e oposição sentam frente a frente, em lados opostos
No Parlamento britânico, um dos mais antigos do mundo, governo e oposição sentam frente a frente, em lados opostos (Foto: Civil Service Local)

 

Segundo Norberto Bobbio, “esquerda e direita não indicam apenas ideologias, mas sim programas contrapostos com relação a problemas cujas soluções estão na ação política, a respeito da direção a ser seguida pela sociedade”. Portanto, o modo mais fácil de discernir o que seria direita e o que seria esquerda passa pelas propostas apresentadas por estes grupos para resolver problemas da sociedade.

Há autores que apontam as questões de igualdade e desigualdade como elemento definidor das direitas e esquerdas. Isto é, as soluções apresentadas por estes dois campos do pensamento e da prática política para resolver o problema da desigualdade seriam a melhor bússola para definir esquerda e direita.

Em muitos círculos da direita, a tese comum é que a geração de riqueza através de uma iniciativa privada livre e forte seria o suficiente para superar as desigualdades ou, pelo menos, reduzi-las significativamente. Já na esquerda a ideia é que o Estado deve intervir, principalmente a favor dos menos favorecidos, de modo a evitar que o fosso da desigualdade aumente e, posteriormente, conduzir a sociedade a uma condição igualitária.

Partindo deste ponto, é possível discernir, em linhas gerais, algumas tendências como economia e proteção social. Vejamos, de modo resumido, como os professores Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, e Leonardo Avritzer, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pontuaram estas diferenças ao jornal Estadão:

  • Economia: Em questão de mercado, a direita seria favorável a intervenções mínimas ou mesmo intervenção nenhuma do Estado; já a esquerda defenderia um Estado mais presente, tanto nos mecanismos de controle da economia como em relações trabalhistas.
  • Proteção social: No campo da proteção social, a esquerda tende a defender um amplo Estado de bem-estar social, ou seja, o Estado como o garantidor de uma proteção social a quem precisa, como nos programas de auxílio financeiro; já a direita tende confiar ao mercado a capacidade de garantir a proteção social duradoura (pelo emprego, pela oportunidade de enriquecimento), sem necessidade do Estado, como na máxima “não dê o peixe, ensine a pescar”.

  • Costumes: enquanto a esquerda é mais identificada com determinados valores como inclusão e atualização de modelos tradicionais de organização social (como novas composições familiares ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo), a direita é apontada como mais conservadora no sentido de manter ou favorecer os padrões então estabelecidos (da família e casamentos heterossexuais, por exemplo).


As classificações acima são absolutas ou incontestáveis? Não. É fácil encontrar, na história, exemplos de governos à esquerda ou à direita que adotaram medidas comumente identificadas com o espectro oposto. A ditadura militar brasileira, por exemplo, apesar do viés direitista, não adotou uma pauta econômica eminentemente liberal, e teve um perfil mais estatista. Já no século XXI, no Reino Unido, foi o Partido Conservador que aprovou o casamento homoafetivo.

Votação do referendo sobre comercialização de armas no Brasil no Colégio Santo Inácio, em Fortaleza
Votação do referendo sobre comercialização de armas no Brasil no Colégio Santo Inácio, em Fortaleza (Foto: Fco Fontenele/O POVO)

 

Do mesmo modo, é possível encontrar pessoas identificadas com a direita que defendem um Estado mais forte na economia, porém são conservadores em questões como família ou casamento; ou liberais em todo os aspectos, da vida privada (cada um vive como quer) à economia.

Assim como é possível encontrar governos de esquerda que, dado momento, adotaram medidas ditas liberais na economia. Um caso exemplar é a Nova Zelândia, que sob o governo do Partido Trabalhista na década de 1980 cortou subsídios, privatizou estatais e derrubou barreiras protecionistas para facilitar o comércio com o exterior (comparativamente, o presidente Donald Trump, de extrema-direita, impôs medidas protecionistas ao longo do seu mandato).

Outro exemplo foi o engajamento do Partido da Causa Operária (PCO) na campanha a favor do comércio de armas e munição no Brasil em 2005, uma pauta tradicionalmente defendida por grupos da direita. A despeito dos outros partidos de esquerda, que defendiam o desarmamento como meio de reduzir as elevadas estatísticas criminais no País, o PCO incentivou os seus a votar contra a proibição.


E onde está o centro no meio disso tudo?

Está a meio caminho da direita e da esquerda. O centro seria caracterizado como aquele capaz de dialogar e aplicar ideias dos dois lados, ora tendendo mais à esquerda (centro-esquerda), ora tendendo mais à direita (centro-direita).

“O centro é mais voltado a uma posição, ele seria ideologicamente mais opaco, não é muito claro qual é a posição do centro. Ele pode dizer que converge, que dialoga com posições da direita e da esquerda, mas não sei se podemos chegar que dizer que existe um centro ideológico”, aponta Monalisa Soares. “O centro seria mais ligado a uma prática política, não necessariamente um pensamento político”, conclui.

O centro, portanto, está mais relacionado a uma postura na hora de governar ou de negociar do que a um conjunto de ideias: ele toma emprestado teses da direita para aplicar em determinadas áreas, teses de esquerda para aplicar em outras. “Um grupo que pode ser de esquerda ideologicamente, na prática política pode ir mais ao centro para chegar ao poder”, exemplifica a docente, “a disputa eleitoral leva ao centro. A tendência geral da sociedade não é de transformação, é de manutenção, conservação”.

Um dos mais emblemáticos casos desse movimento no Brasil foi a transição do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva da década de 1980 até a chegada ao poder nos anos 2000, com um discurso mais “moderado” a determinados setores da sociedade. “A esquerda geralmente tem que ceder mais o centro [para chegar ao poder], a direita tem que ceder menos. Todo mundo em um governo acena um pouco ao centro”, indica.

E a extrema-direita? E a extrema-esquerda?

Jair Bolsonaro chegou ao poder em um contexto em que a extrema-direita acumulava uma série de sucessos eleitorais pelo mundo
Jair Bolsonaro chegou ao poder em um contexto em que a extrema-direita acumulava uma série de sucessos eleitorais pelo mundo (Foto: Marcos Corrêa/PR)

 

Nos últimos anos, vários países têm assistido a ascensão de grupos de extrema-direita ao poder, como a eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018. Outros grupos conseguem representações nos Legislativos, como a Alternativa para a Alemanha (AFD, na sigla em alemão), que se tornou a maior força de oposição no Parlamento germânico à coalizão de governo de Angela Merkel.

E, diferente do que o nome pode sugerir, a extrema-direita não é caracterizada exatamente pela elevação das ideias direitistas ao extremo. “O que os analistas têm chamado a atenção da extrema-direita é sobretudo um caráter mais autoritário do seu discurso e da sua prática política. Não são apenas grupos que demarcam os vieses ideológicos da direita, eles deixam de ser uma direita democrática, que jogam o jogo democrático, e vão para um caminho autoritário”, ilustra a professora de Ciências Sociais da UFC, Monalisa Soares.

Por outro lado, aponta a docente, uma suposta extrema-esquerda, que muitos apontam existir, seria mais difícil, tendo em vista que, diferente da extrema-direita, não conseguiu fórmulas para obter sucesso eleitoral. “Do ponto de vista prático, é muito difícil a viabilidade de uma extrema-esquerda, [ainda mais] se você comparar o desafio que os partidos de esquerda têm para se tornarem competitivos em comparação com partidos de direita”, explica, “a extrema esquerda pode existir em um nível discurso, organizativo, mas no impacto real, social, não tem como ter viabilidade”.

O fortalezense de direita 

Com mais de 1,8 milhão de eleitores, Fortaleza deve escolher o próximo prefeito até o fim do mês. Na disputa entre José Sarto (PDT) e Capitão Wagner (Pros) volta e meia o acirramento ideológico entre direita e esquerda dá as caras, e a ligação de Wagner com o presidente Jair Bolsonaro é explorada, desde o início, por seus opositores. No entanto, até onde este discurso pode influenciar na hora da voto?

Na Capital cearense, como no resto do mundo, as definições do que deve ser ou o que defendem direita e esquerda são flutuantes. Desse modo, como vimos acima, é comum partir para análise dos posicionamentos do indivíduo sobre determinados temas - o que, também, pode mostrar ideias ideias ditas de direita ou esquerda compartilhadas por uma mesma pessoa. É o caso do fortalezense.

Na mesma pesquisa O POVO Datafolha em que a maior parte dos fortalezenses se apresentou ideologicamente à direita, 63% dos entrevistados afirmaram que a posse de armas - tema caro à direita - deveria ser proibida. 58% também afirmaram ser favoráveis à união civil entre pessoas do mesmo sexo. Por outro lado, na legalização do consumo de maconha no Brasil, 72% foram contra; sobre a pena de morte, 51% foram a favor.

Capitão Wagner (Pros) e Sarto (PDT) votaram na manhã deste domingo
Capitão Wagner (Pros) e Sarto (PDT) votaram na manhã deste domingo (Foto: REPRODUÇÃO)

 

A despeito da maioria de fortalezenses identificados como direita e extrema-direita, as últimas quatro gestões municipais foram comandadas por candidatos eleitos em partidos à esquerda. Pesquisadora do tema, Monalisa Soares acredita que esta disputa esquerda versus direita não deve ser decisiva quando os eleitores forem às urnas no domingo, 29 de novembro.

A professora aponta que, na hora do voto para eleições municipais, o eleitor tende a olhar muito mais os efeitos práticos da gestão - como está a saúde, a infraestrutura, a educação - do que a identificação do candidato com esquerda ou direita.

“Nas eleições municipais esse tema não é central. Obviamente, há um percentual de eleitores que pode votar considerando isso, mas, no geral, nas eleições municipais, ele considera outros aspectos mais relevantes. Você tinha o Heitor Freire [candidato pelo PSL, teve 1,6% dos votos] dizendo que era de direita dia e noite e não saiu do lugar”, analisa a docente. OPOVO.

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