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Com ações direcionadas aos mais pobres, Bolsonaro muda base de apoio

MITO PRESIDENTE BOLSO

Em termos de popularidade, Jair Bolsonaro é um fenômeno de sobrevivência em processo acelerado de mutação. Cada nova pesquisa feita em tempos de coronavírus revela mais arranhões em sua imagem, frutos direto do estado negacionista do capitão diante do problema, do descompasso entre o discurso da “gripezinha” e a postura mais responsável de prefeitos e governadores e da absoluta falta de sensibilidade demonstrada por ele com relação às vítimas da doença (a “cereja do bolo” foi o passeio do presidente de jet ­ski no último sábado, 9, quando o país ultrapassava a casa das 10 000 mortes). Segundo o levantamento mais recente de opinião pública, da CNT/MDA, realizado por telefone entre os dias 7 e 10 de maio, a quantidade de pessoas que reprovam seu governo aumentou de 31% para 43% em comparação com janeiro. Simultaneamente, a aprovação manteve-se praticamente igual, oscilando dentro da margem de erro de 2,2 pontos: passou de 34,5% para 32%, considerando os brasileiros que classificam sua administração como boa ou ótima. Ou seja, Bolsonaro ainda goza da simpatia de um terço do eleitorado, um respaldo que parece até agora à prova de crise e tão resistente quanto sua luta eterna contra os fantasmas do comunismo.

Um olhar mais atento para esse cacife eleitoral de um terço da população, no entanto, revela que a base de apoiadores do presidente se encontra em transmutação. De acordo com especialistas, metade da fatia de 30% dos que o avaliam como bom ou ótimo são fãs quase incondicionais do capitão, o chamado núcleo duro do bolsonarismo. A outra porção se mostra mais infiel e movediça. Nos últimos meses, desembarcaram dela as pessoas com maior renda e escolaridade — e foram substituídas em quantidade semelhante por eleitores que só cursaram até o ensino fundamental e com renda condizente à das camadas mais pobres da sociedade. O fenômeno, consequentemente, fez cair a rejeição que Bolsonaro tem na Região Nordeste, um reduto histórico do PT. Uma pesquisa recente do Vox Populi encomendada pelo partido de Lula quantificou o fenômeno. Ela apresenta o desempenho do presidente por região, renda familiar e escolaridade. VEJA teve acesso aos dados. De acordo com o levantamento, Bolsonaro recebeu as seguintes avaliações: 35% positivo, 38% negativo e 24% regular. A mesma pesquisa realizada pelo Vox Populi em dezembro revelou que a popularidade do presidente vinha numa tendência de queda desde abril do ano passado — em igual período, a rejeição a ele aumentava, chegando, no fim de 2019, a 42% dos pesquisados. Em dezembro, Bolsonaro tinha apenas 22% de aprovação. Para lideranças do PT, o presidente soube capitalizar o medo do desemprego e da falta de renda e, ao ficar com os louros do “coronavoucher”, o auxílio emergencial financeiro da pandemia, conseguiu reverter a tendência de queda, saltando 13 pontos porcentuais em quatro meses. Nem a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça teve impacto, segundo o levantamento. A diferença entre a aprovação nos dias anteriores à demissão do ex-­juiz da Lava-Jato e nos dias após sua saída do governo, em 24 de abril, foi de apenas 1 ponto porcentual.

Esses resultados foram exibidos em uma longa reunião realizada pelo diretório nacional do PT no último dia 29. “Incrivelmente, foi uma ocasião em que Lula mais ouviu do que falou”, afirma o vice-presidente nacional do partido, Washington Quaquá. Foi Franklin Martins, ex-­chefe da Secretaria de Comunicação no governo Lula, quem fez o pronunciamento mais duro daquele dia. “Parte desses setores das classes C, D e E parece ter retornado agora (a apoiar Bolsonaro) com medo do coronavírus, mas é um retorno frágil e não consolidado”, disse ele. “Precisamos parar de falar para a bolha e passar a falar para todos. Chega de ficar fazendo tuíte, lacração e gracinha. A situação é dramática e temos de entender a sua gravidade.”

Os setores que não dependem do Estado para suprir as necessidades mais básicas já começaram a abandonar o barco. Números divulgados em 27 de abril pelo Datafolha mostram que, de dezembro para cá, a rejeição a Bolsonaro havia crescido 11 pontos porcentuais entre aqueles com ensino superior completo, 9 pontos entre as pessoas que recebem de cinco a dez salários mínimos e 14 pontos entre os que têm renda acima de dez salários mínimos. No empresariado, o apoio caiu de 58% para 37%. São perdas consideráveis de parcelas da população que foram fiéis ao governo diante de todas as polêmicas do ano passado e explicam como Bolsonaro vem perdendo terreno nas redes sociais. Segundo a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, o apoio ao governo e às falas do presidente contra o isolamento social representou apenas 16% de um debate que mobilizou 6,7 milhões de postagens no Twitter entre os dias 15 de abril e 11 de maio. “Esse grupo mais sofisticado viu que acabou o ‘sonho de verão’ deles e que a solução milagrosa para reformas econômicas afundou”, afirma Ricardo Sennes, diretor da consultoria de riscos Prospectiva.

AUXÍLIO PROVIDENCIAL - Fila na Caixa: distribuição de 154,4 bilhões de reais em três meses Luis Alvarenga/Getty Images

Para quem acompanha de perto essas mutações no eleitorado, o presidente foi esperto ao ajustar o foco nos últimos meses mirando um apoio que compensasse essa perda. “Nesta pandemia, Bolsonaro ganhou com o discurso fácil ao abordar o problema da renda, que afeta milhões de pessoas, enquanto o vírus afeta milhares”, diz a presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR). “Ele optou pelo discurso populista, tratando de fome e desemprego num momento em que a pandemia vai afetar a economia e causar justamente desemprego.” De discurso populista, não há como negar, o PT fala com conhecimento de causa. Quando antagoniza com governadores e afirma que “gostaria que todos voltassem a trabalhar”, como o fez no 1º de Maio, Bolsonaro atende aos anseios de categorias como os motoristas de Uber, motoboys e caminhoneiros, que não podem interromper as atividades profissionais sob o risco de ficar sem fonte de renda. “Ele se dirige a uma parcela que não pode fazer quarentena nem home office”, afirma o professor Fernando Amed, que coordena um grupo de pesquisa sobre comportamento político na PUC-SP. “Esta crise aumenta o fosso que separa os mais favorecidos dos que não são.”

No trimestre em que estão previstos os pagamentos do “coronavoucher”, o governo deve gastar 154,4 bilhões de reais para atender 96,9 milhões de pessoas. A título de comparação, o Bolsa Família previa para 2020 gastos de 31 bilhões com 14 milhões de famílias. Foi com o Bolsa Família e outros programas assistenciais que o ex-presidente Lula formou um eleitorado cativo entre os mais pobres e no Nordeste. Apesar de Bolsonaro avançar sobre essas camadas em meio à crise, esse apoio é volátil e não pode ser dado como um ativo eleitoral certo para 2022. “O Bolsa Família aumentou a probabilidade de essas pessoas votarem no Lula e na Dilma, mas não gerou petistas. Já esse auxílio emergencial é temporário. A curto prazo, há o aumento na popularidade, mas quanto tempo dura essa gratidão?”, questiona o cientista político da FGV Cesar Zucco. É fato que a queda econômica está em andamento e continuará após o pagamento do auxílio. Mas ainda é cedo para cravar se o agravamento da pandemia e a recessão podem dinamitar essa nova base bolsonarista.

Colaborou André Siqueira

Publicado em VEJA de 20 de maio de 2020, edição nº 2687

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