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Obra de Irmã Dulce marcou bairro de palafitas símbolo da pobreza em Salvador

João Pedro Pitombo / FOLHA DE SP
TERESA DE CALCUTAR E IRMÃ DULCE
SALVADOR

Primeiro vieram as montanhas de lixo, aterrando o mar da baía de Todos-os-Santos. Depois barracos de madeira começaram a ser erguidos em palafitas, fincadas sob o mangue e o vaivém da maré. Entre as casas, pedaços de tábua se tornaram becos e vielas.

Criado a partir dos anos 1940, o conjunto de favelas dos Alagados foi por décadas o principal símbolo da pobreza em Salvador. E foi justamente lá que Irmã Dulce começou o seu trabalho social de acolhimento a pobres e doentes.

Ela será canonizada no domingo (13), em cerimônia chefiada pelo papa Francisco, no Vaticano, após ter dois milagres reconhecidos pela Igreja Católica. Irmã Dulce será a primeira santa brasileira.

A freira baiana voltou a Salvador, sua cidade natal, em 1934, depois de ter passado dois anos enclausurada no Convento de Nossa Senhora do Carmo, em Sergipe, onde prestou os seus votos.

Sua primeira missão foi na área de saúde: trabalhou na limpeza e na portaria do Hospital Espanhol, até chegar ao posto de enfermeira. Depois, migrou para a educação e foi ensinar em uma escola na Cidade Baixa.

Diante da falta de aptidão para o magistério —“é um desastre”, disse uma das irmãs superioras—, foi liberada para prestar assistência social aos pobres da região.

“Foi ali que aconteceram as primeiras incursões de Irmã Dulce. Ela começou a buscar as pessoas que estavam abandonadas para dar assistência”, explica o museólogo Osvaldo Gouveia, chefe da Assessoria de Memória e Cultura das Obras Sociais Irmã Dulce.



No final dos anos 1940, barracos começaram a ser erguidos em palafitas no areal e no mar da enseada dos Tainheiros por operários que trabalhavam nas fábricas da península de Itapagipe e queriam morar perto do trabalho.

Logo, o primeiro núcleo se tornou um dos maiores conjuntos de favelas de Salvador, cidade que recebia uma forte pressão migratória de retirantes desde a seca que assolou o Nordeste de 1934 a 1936.

No ambiente insalubre dos Alagados, Irmã Dulce começou a atender aos moradores em um simples barraco de madeira. Para isso, conseguiu o apoio de dois médicos: Bernardino Nogueira e Edgar Meyer. Esse trabalho catapultou a imagem da freira e a tornou uma das figuras mais conhecidas da Bahia.

Aos poucos, o que era um trabalho pontual em um dos bairros mais miseráveis da cidade, ganhou outra dimensão: em vez de percorrer as ruas da capital em busca dos desamparados, estes iam até a freira.

A partir de 1949, quando transformou o galinheiro de um convento em um abrigo para doentes, a religiosa concentrou a maior parte da sua obra social na região do largo de Roma, também na Cidade Baixa. Mas a atuação nos Alagados fez da freira uma espécie de marca profunda na história da comunidade.

 
 

A marca está estampada na trajetória de pessoas como Ronaldo Castro, 45, cuja família está há três gerações nos Alagados. Seus avós já moravam no bairro quando sua mãe nasceu, em 1952. E era lá também que sua mãe morava quando ele veio ao mundo, em 1974.
 
Católico praticante, ele diz que começou a entender a importância de Irmã Dulce para a sua comunidade quando passou a frequentar a paróquia do bairro ainda na infância.
 
“Irmã Dulce salvou aquelas pessoas em vários sentidos: no social e também na dignidade das famílias que não tinham uma pessoa que falasse por elas. Foi Irmã Dulce quem teve a sensibilidade de ouvir aquelas pessoas e trabalhar para que o apelo delas fosse ouvido”, afirma Ronaldo.
 
De fato, foi ouvido. Desde o início da década de 1980, as palafitas dos Alagados começaram a dar lugar a conjuntos habitacionais, desconstruindo aos poucos aquele que era o principal cartão postal às avessas de Salvador. A denominação genérica Alagados deu lugar aos bairros de Massaranduba, Uruguai e Jardim Cruzeiro.
 
A região, contudo, ainda é uma das mais pobres da capital baiana e enfrenta problemas de falta de infraestrutura, poluição das praias e falta de moradia. Não raro voltam a surgir palafitas sob áreas de mangue.
 
Há dez anos, como em uma peça pregada pelo destino, Ronaldo passou a trabalhar nas Obras Sociais Irmã Dulce. Hoje, atua como monitor do memorial em homenagem à freira.
 
A presença da religiosa em sua vida tomou tamanha proporção que ele batizou sua filha, hoje com seis anos, com o nome Dulce Maria. No aniversário, foi a própria menina quem escolheu o tema da festa: Irmã Dulce. Cantou os parabéns na escola vestida com o hábito.
 
Há cinco anos, as Obras Sociais Irmã Dulce voltaram a fincar o pé nos Alagados com a inauguração de um centro de atendimento à comunidade, em parceria com a paróquia local. No local, são oferecidos serviços como distribuição de sopa, acompanhamento para jovens grávidas, catequese para crianças e atividades de promoção à saúde e prevenção de doenças.

Hoje, o bairro dos Alagados também ganhou o apelido de “terra santa”, por lá terem pisados três dos mais importantes santos nascidos no século 20: Irmã Dulce, Madre Teresa de Calcutá e João Paulo 2º.

A visita do Papa João Paulo 2º foi em 1980, quando, em meio ao povo dos Alagados, fez um discurso em que pregava o amor ao próximo e a partilha entre os cristãos. Na época, uma nova igreja de alvenaria foi erguida em três meses para recebê-lo. Hoje, ela leva o nome do papa que virou santo em 2014.
 
Já Madre Teresa de Calcutá foi aos Alagados um ano antes, em 1979, e abriu uma casa de assistência no bairro do Uruguai. Foi canonizada em 2016.
 
Irmã Dulce, que passou boa parte da sua vida entre as palafitas, completará o trio de santos a partir de domingo (13), quando se tornará Santa Dulce dos Pobres. A santa dos pobres dos Alagados de Salvador.


QUEM FOI IRMÃ DULCE

Biografia
Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes, conhecida como Irmã Dulce, nasceu em 1914, em Salvador. Responsável por construir uma das maiores obras de assistência social gratuita do país, a freira era chamada de “anjo bom da Bahia”. Morreu em 1992, aos 77 anos

Milagres
Irmã Dulce teve dois milagres reconhecidos pelo Vaticano. Em 2001, as orações em seu nome teriam feito cessar uma hemorragia de uma mulher de Sergipe que padeceu durante 18 horas após dar à luz o seu segundo filho. Em 2014, um maestro baiano voltou a enxergar após 14 anos de cegueira

Canonização
No domingo (13), a freira será canonizada pelo papa Francisco, em cerimônia realizada no Vaticano. Com isso, se tornará Santa Dulce dos Pobres, a primeira mulher brasileira a ser declarada santa pela Igreja Católica

 
 

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