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‘Vocês estão vivendo um novo tipo de ditadura’, diz sociólogo Manuel Castells

RIO — O Brasil está vivendo um novo tipo de ditadura, que tem como pilares a disseminação de notícias falsas e sucessivos ataques à Educação . Essa é a visão do espanhol Manuel Castells , um dos principais teóricos da comunicação e autor de livros como “A Sociedade em Rede” e “Galáxia da Internet”.

 

Em entrevista ao GLOBO, ele afirmou que o país só conseguirá evitar um futuro totalitário caso as escolas desempenhem bem seu papel . Nesse sentido, criticou o projeto do governo Bolsonaro de criar escolas militares, com foco na disciplina.

 

Castells diz ainda que os cidadãos que “querem estabelecer a verdade” precisam retomar o protagonismo nas redes.

 

O espanhol visitou o Rio para participar do seminário “Educação, Cultura e Tecnologia: Escola do Século XXI”, promovido pela Prefeitura de Niterói, e para palestrar sobre “Comunicação, política e democracia”, na FGV.

 

Hoje, no Brasil, há pessoas que dizem que o nazismo era de esquerda, que as vacinas são ruins e que a terra é plana. Como isso é possível na era da informação?

Primeiro, as pessoas não funcionam racionalmente e sim a partir de emoções.As pesquisas mostram cientificamente que a matriz do comportamento é emocional e, depois, utilizamos nossa capacidade racional para racionalizar o que queremos. As pessoas não leem os jornais ou veem o noticiário para se informar, mas para se confirmar. Leem ou assistem o que sabem que vão concordar. Não vão ler algo de outra orientação cultural, ideológica ou política. A segunda razão para esse comportamento é que vivemos em uma sociedade de informação desinformada. Temos mais informação do que nunca, mas a capacidade de processá-la e entendê-la depende da educação e ela, em geral, mas particulamente no Brasil, está em muito mau estado. E vai ficar pior, porque o próprio presidente acha que a educação não serve e vai cortar os investimentos na área. Por um lado, temos mundos de redes de informação, de meios que invadem o conjunto de nosso pensamento coletivo, e ao mesmo tempo pouca capacidade de educação das pessoas para entender, processar, decidir e deliberar. Isso é o que chamo de uma era da informação desinformada.

As universidades públicas e os professores brasileiros estão sob ataque?

Vocês estão vivendo um novo tipo de ditadura. As instituições estão preservadas, mas se manipulam tanto por poderes econômicos, quanto por poderes ideológicos. O Brasil, nesse momento, perdeu a influência da Igreja Católica que foi muito tradicional durante muito tempo na História, mas ganhou algo muito pior que são as igrejas evangélicas, para quem claramente não importa a ciência e a educação, porque quanto mais educadas e informadas estejam as pessoas, mais capacidade terão de resistir à doutrinação. O mesmo acontece com o presidente (Bolsonaro) e com o regime que está instalando. Não se pode fazer uma ditadura antiga, que se imponha com o exército, mas uma ditadura Orwelliana, de ocupar as mentes. Isso se faz acusando de corrupção qualquer tipo de oposição. Como a corrupção está em toda parte, então persegue-se apenas a corrupção de políticos e personalidades que se oponham ao regime. Esse tipo de ditadura só pode funcionar com um povo cada vez menos educado e mais submetido à manipulação ideológica.

Como essa manipulação é exercida?

Nosso mundo da informação é um mundo baseado nas redes sociais e nas redes sociais há de tudo. Elas permitem a autonomia dos indivíduos, acreditávamos que era um instrumento de liberdade e é, mas é uma liberdade que é usada tanto pelos manipuladores como pelos jovens que tentam mudar o mundo. Foram desenvolvidas técnicas muito poderosas de desinformação e manipulação, que incluem a utilização massiva de robôs manipulados por organizações como o Movimento Brasil Livre (MBL) e financiadas pela extrema direita internacional, que estão preenchendo as redes sociais e manipulando-as muito inteligentemente, de forma que a construção coletiva do que ocorre na sociedade está totalmente dominada por movimentos totalitários, que querem ir pouco a pouco anulando a democracia. Por isso, é preciso atacar a educação, atacar os professores, as universidades, as humanidades e as ciências sociais, que são áreas que nos permitem pensar. Tudo o que significa pensar é perigoso. Por isso, digo que é uma ditadura, ainda que de novo tipo. É uma ditadura da era da informação.

O que as escolas brasileiras precisam ter para mudar a realidade do país?

Primeiro: recursos. Mesmo que haja mudanças na pedagogia, se não há recursos, se não pagam e não respeitam os professores e se não há menos alunos por classe, (não adianta). É preciso uma formação inicial melhor dos professores e também uma reciclagem contínua, sobretudo, nas escolas mais longínquas do Brasil. Precisamos de bons professores imediatamente, não podemos esperar vinte anos para produzir os educadores que vão educar os jovens. E como fazer isso? Com educação virtual a distância. Precisamos reforçar as universidades virtuais, fazer com que haja programas de formação virtual, mas não de segunda categoria. Estou na Universidade Aberta da Catalunha, que tem 65 mil estudantes 100% na internet, e funciona muito bem. Os estudantes de lá têm os mesmos diplomas que os demais e não há nenhuma diferença de qualidade e nem de mercado para eles.

Você falou muito sobre a importância da valorização do professor. Atualmente, o professor mais conhecido do país, Paulo Freire, está sendo alvo de ataques.

Isso significa que tudo que é criação de uma cidadania informada, educada e autônoma, é um perigo para uma ditadura sutil, que precisa de pessoas que não sejam bem educadas, que sejam desinformadas e manipuláveis. Os três princípios de Paulo Freire são: aprender pela experiência— hoje em dia encontramos tudo na internet, há possibilidade de fazer grupos de aprendizagem na internet—, autonomia dos alunos para educar-se para buscar a informação, e professores para guiá-los. Agora que temos tecnologia, não só internet, mas as conexões rápidas, é possível revolucionar facilmente a escola seguindo os princípios de Paulo Freire. Por que se ataca Paulo Freire? Porque no mundo, e não só no Brasil, ele é um símbolo. Eu conheci Paulo Freire na Universidade Stanford e lá ele era adorado, porque seus princípios são adaptados ao que é a nova sociedade: criar pessoas livres e autônomas, capazes de promover sua própria aprendizagem, guiados por seus professores. Isso é muito perigoso para aqueles que querem manipular. Paulo Freire é liberdade, e a liberdade é agora o maior obstáculo que existe para que se siga desenvolvendo essa ditadura sutil que estão tentando impor ao Brasil.

Paula Ferreira / O GLOBO

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