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Crédito do BNDES ao exterior tem R$ 1,9 bilhão atrasado

RIO - Ao assumir a presidência do BNDES, Gustavo Montezano definiu como uma de suas prioridades abrir a suposta “caixa-preta” do banco. As operações de financiamento para exportação de serviços de construtoras brasileiras no exterior - alvo de críticas quanto à falta de transparência - foram suspensas em 2015, mas as contas do banco ainda exibem os efeitos destes empréstimos.

 

De acordo com os dados mais recentes, Venezuela, Cuba e Moçambique estão inadimplentes em US$ 518 milhões (R$ 1,95 bilhão) dos US$ 2,35 bilhões (ou R$ 8,85 bilhões) emprestados pelo BNDES para que construtoras brasileiras fizessem obras de infraestrutura naqueles países. Como os financiamentos estão cobertos pelo seguro de crédito à exportação, o BNDES não sofre prejuízos em caso de não pagamento, mas o custo acaba sendo coberto pela União.

 

Desde 1998, o BNDES emprestou a 15 países US$ 10,5 bilhões para viabilizar a exportação de serviços de engenharia por construtoras brasileiras. Essa modalidade de crédito ganhou força nos governos Lula e Dilma Rousseff, por meio de contratos que acabaram impulsionando a internacionalização de companhias como Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Com a eclosão da Lava-Jato, porém, a linha de financiamento tornou-se alvo de críticas que acusavam o favorecimento de países com alinhamento ideológico com o PT e de construtoras que participaram de esquemas de corrupção. A crítica ganhou força recentemente, depois que Cuba e Venezuela começaram a atrasar os pagamentos por causa de suas próprias dificuldades econômicas.

 

Risco elevado

 

Cuba e Venezuela são, ao lado de Moçambique, os únicos países com prestações em atraso até março, último dado disponível. Os venezuelanos deixaram de pagar US$ 352 milhões do US$ 1,5 bilhão emprestado para realização de obras como a expansão do metrô de Caracas e o estaleiro Astialba. Em Moçambique, as prestações em atraso somavam US$ 118 milhões no fim de março. Lá, as principais obras estavam ligadas ao aeroporto da cidade de Nacala. Em Cuba, o atraso era de US$ 48 milhões, ou 7% dos US$ 656 milhões emprestados para obras, a maioria delas ligada à construção do Porto Mariel.

 

Ao todo, o BNDES tem US$ 3,1 bilhões a receber de 11 países pela exportação de serviços de engenharia. Embora a maioria esteja em dia com suas prestações, os fracassos nos financiamentos a Cuba e Venezuela se tornaram para os críticos do banco um dos símbolos da suposta falta de transparência nas informações prestadas pelo banco sobre as operações.

 

O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, que presidiu o BNDES nos anos 90, admite que as operações foram um fracasso, mas argumenta que, no que diz respeito ao banco, a decisão foi técnica:

 

— Isso foi feito de forma muito marcada no governo do ex-presidente Lula. O estatuto do BNDES é claro quando diz que deve executar políticas do governo. O problema não foi no BNDES, mas no Tesouro, que deu aval às operações por meio de garantia. O banco está respaldado. O Tribunal de Contas da União diz que a garantia do Tesouro foi um erro.

 

Embora o BNDES provisione os calotes em seu balanço, esses empréstimos são garantidos pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE), e o Tesouro acaba ressarcindo o banco. Mas a conta engrossa o desequilíbrio fiscal da União.

 

Segundo Márcio Sette Fortes, professor de Economia Internacional do Ibmec-RJ, os governos passados buscavam com esses empréstimos fazer a aproximação Sul-Sul, elevando a influência brasileira entre países em desenvolvimento e, como consequência, permitindo que um rol restrito de empresas explorassem mercados com menor concorrência:

— Muitas vezes o risco dessa estratégia não compensa. Quanto maior a oportunidade de retorno, maior o risco. Nesse caso, o risco se materializou.

Embora nenhum novo financiamento da linha tenha sido concedido desde 2015, críticos alegam que ainda não estão claros os critérios que levaram o banco a liberar esses empréstimos e que esse é um dos pilares do que chamam de “caixa-preta”. Já o banco sempre alegou que os financiamentos tinham garantias e respondeu à pressão abrindo, nos últimos anos, dados sobre os contratos. Até 2015, o BNDES alegava limitações do sigilo bancário para divulgá-los, mas, sob pressão política, o então presidente Luciano Coutinho tornou públicas em 2015 informações sobre operações entre 2007 e 2015. Em 2016, o banco passou a disponibilizar cópias dos contratos. Este ano, criou um site agregando todas as informações. 

Rennan Setti / O GLOBO

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