Ingênuos - O ESTADO DE SP
Era presumível que o casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura fosse alegar, com a convicção dos puros, que não fazia ideia de qual era a origem da dinheirama que apareceu subitamente em suas contas no exterior – e que, para a Lava Jato, é parte da roubalheira da Petrobrás. Só isso já seria suficiente para ofender a inteligência dos investigadores e do distinto público, mas não se pode dizer que tenha sido uma surpresa. No entanto, o que saiu dos primeiros depoimentos dessa dupla do barulho à Polícia Federal concorre a um lugar de destaque na antologia que se fizer a respeito desses tempos de colapso moral sob o lulopetismo – e joga na fogueira a Odebrecht, a gigantesca empreiteira cujo nome volta e meia surge nas narrativas desse escândalo.
João Santana e sua mulher afinal reconheceram que são proprietários de uma empresa offshore em cujas contas foram depositados US$ 7,5 milhões pela Odebrecht e pelo lobista Zwi Skornicki, entre 2012 e 2014, conforme descobriu a Lava Jato. Admitiram também que nada disso foi declarado à Receita Federal. Esse surto de honestidade respeita a estratégia da defesa, que claramente busca limitar todo o caso a um mero delito fiscal – e a livrar o PT das suspeitas de que suas campanhas eleitorais foram financiadas com dinheiro sujo.
Mas nada é tão simples, afinal. Mônica Moura afirmou que as tais contas recebiam apenas pagamentos por serviços prestados em campanhas eleitorais no exterior – em Angola, no Panamá e na Venezuela. Ou seja, não era remuneração pela conhecida atuação de João Santana como competente marqueteiro do PT no Brasil. A ser verdade o que Mônica disse, significa que a Odebrecht, que supostamente era apenas doadora de campanhas eleitorais no exterior, serviu como operadora de caixa 2 para essas campanhas, pois esse dinheiro jamais foi contabilizado oficialmente.
Segundo a senhora Santana, dos US$ 7,5 milhões encontrados na tal conta, US$ 3 milhões foram depositados por representantes da Odebrecht como parte do pagamento pela campanha do caudilho Hugo Chávez, presidente da Venezuela e candidato à reeleição, em 2012. O restante, segundo o depoimento, foi depositado pelo lobista Zwi Skornicki – preso por ser operador de propinas no petrolão – e correspondia à campanha do presidente José Eduardo dos Santos em Angola. Ela disse que não sabe por que foi Zwi quem fez esse pagamento. Nenhuma prova dessas movimentações todas foi apresentada às autoridades.
Tanto Mônica quanto o marido juraram que jamais lhes passou pela cabeça que aquele dinheiro todo pudesse ter origem ilícita. E João Santana afirmou que não declarou a existência dessa conta nem do dinheiro que por ela trafegou porque “era recurso recebido em outros países” e “ele achava que não tinha problema em ser conta não declarada”, segundo seu advogado. A defesa do marqueteiro informou que Santana, candidamente, considerava esses recursos como “uma poupança no exterior” para a sua “aposentadoria”.
E que poupança. João Santana disse à Polícia Federal que recebeu US$ 50 milhões por seu trabalho na eleição de Angola. Sua mulher, por sua vez, informou que o casal amealhou US$ 30 milhões na campanha de Hugo Chávez. Não se sabe ainda o quanto disso foi pago “por fora”, mas, a título de comparação, o que Santana recebeu “por dentro” para reeleger a presidente Dilma Rousseff não passou de R$ 70 milhões, ou US$ 17,5 milhões.
Mas, segundo seu advogado, dinheiro nunca foi o foco de João Santana. Tanto é assim que ele diz que trabalha de graça para o governo, “em razão do prazer que isso lhe gera”, conforme se lê em seu depoimento. Santana, contou o advogado, é “um criador, não trabalha com a questão financeira, com questão bancária”.
O marqueteiro que ajudou a reeleger Luiz Inácio Lula da Silva em meio ao escândalo do mensalão e que emplacou duas vezes o “poste” Dilma Rousseff terá mesmo de ser muito criativo para convencer a Justiça de que é apenas um homem ingênuo.