A menina que cresceu sonhando com um lar sem goteiras e hoje 'transforma casas' de graça
Fernanda ainda era criança quando olhava para o teto e pensava: "Sinto raiva da chuva".
Ela morava com os pais e os cinco irmãos em uma casa "bem pequena, de taipa e tijolos brancos" em Natal, no Rio Grande do Norte, onde tinham sala, cozinha, dois quartos e um banheiro nos fundos do quintal - com um monte de goteiras.
Quando chovia, uma caixa de fogão transformada em guarda-roupa, a cama e o chão sempre ficavam encharcados. O "reboco antigo", de barro, também infiltrava e o cheiro que ficava no ar - para "vergonha" da menina - foi chamado de ruim por um amigo da escola.
"O que eu pensava era que quando crescesse ia querer uma casa que não tivesse goteiras", diz. "Era com isso que eu sonhava."
Hoje técnica em controle ambiental, tecnóloga em construção de edifícios e prestes a se formar em Engenharia Civil, ela lembra da história para explicar por que, aos 21 anos, decidiu criar um projeto voluntário para reformar casas, sem cobrar nada.
O projeto nasceu em julho de 2018 e recebeu o nome de ReforAmar - uma "junção de reforma com amor" que idealizou influenciada pela própria história vida e com o qual pretende "mudar o que mais incomoda" a pessoas de baixa renda, asilos e, futuramente, também a abrigos de crianças. "A Fernanda criança ia querer que trocassem o telhado, para não cair mais chuva dentro de casa, mas para outras pessoas pode haver outras prioridades", diz. E isso vai desde paredes pintadas até obras maiores.
A ação atendeu até agora cinco casas e um asilo em Natal. O número de voluntários passou de cinco para 70 em menos de um ano, e cinco novas obras são previstas até dezembro. É um alcance que Fernanda espera aumentar. "A intenção é chegar a outras cidades e quem sabe crescer a ponto de também poder contratar pessoas. Mas tudo com os pés no chão".
Inspiração para começar
O desejo de mudança que a menina alimentava para as próprias condições de moradia foi a maior inspiração para o projeto e para o caminho profissional que decidiu trilhar.
Filha de uma empregada doméstica e de um ex-padeiro, ela cresceu assistindo ao pai e posteriormente ao padastro derrubando e construindo paredes - "por partes e aos poucos", para melhorar a casa.
Já aos 18 anos e morando sozinha em um "quartinho" no imóvel, após o restante da família se mudar, um tio aposentado se ofereceu para ajudá-la em uma possível reforma.
Ele trabalharia de graça. Só precisaria do material para a obra.
"Queria que as pessoas tivessem uma transformação de vida como eu tive vendo o meu tio Erivan construindo uma casa nova para mim", diz Fernanda. "E isso não é uma questão só de autoestima para elas. É uma questão de saúde. Tem muita gente vivendo em lugares insalubres".
Voluntária
Um outro trabalho voluntário que ela desenvolveu dos 15 aos 17 anos com amigos - e que só parou porque teria menos disponibilidade com a universidade - também serviu de ingrediente nessa história.
O projeto funcionava aos sábados, quando eles atravessavam a cidade com nariz de palhaço, tiaras, chapéus, tinta e maquiagem dentro da bolsa.