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Áudio sobre Globo é pretexto de Bolsonaro para afastar Gustavo Bebianno.

Josias de Souza

16/02/2019 02h33

A contragosto, Jair Bolsonaro foi convencido na manhã desta sexta-feira a manter Gustavo Bebianno no cargo de ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. À tarde, entretanto, o presidente deu meia-volta. Após reunir-se com ministros e travar um diálogo encrespado com o próprio Bebianno, Bolsonaro informou aos auxiliares sobre sua decisão de exonerar o ex-amigo.

O presidente usou como pretexto não mais a suspeita de envolvimento de Bebianno no repasse de verbas para candidaturas fantasmas do PSL, mas o vazamento de áudios que trocara com o ministro. Incomodou-se especialmente com a divulgação de mensagem que envolve encontro que Bebianno teria com o vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo, Paulo Tonet Camargo. Alega que houve "quebra de confiança."

No início da madrugada deste sábado, o blog conversou com uma das autoridades que acompanharam a evolução da crise ao longo da sexta-feira. Vai abaixo o miolo da conversa:

— Por que o presidente desistiu de manter Gustavo Bebianno no ministério?

— Para encurtar uma história longa: a coisa caminhava bem, mas o presidente se aborreceu ao saber do vazamento de mensagens privadas. Acha que houve quebra de confiança.

— Então, o ministro não mentiu ao dizer que havia conversado com o presidente por WhatsApp?

— Não quero falar sobre isso.

— A saída do ministro está 100% certa?

— No fim do dia, os ânimos chegaram a um ponto que não favorece a concórdia. Digo que, enquanto não sair um comunicado oficial, há esperança. Mas devo reconhecer que a hipótese de um desfecho favorável está mais distante. Não há Diário Oficial no final de semana. Mas o Twitter é como pronto-socorro, aberto 24 horas por dia. Então, não me faça pergunta difícil.

— Os senhores receiam por uma reação bombástica do Bebianno?

— Não quero falar sobre isso, me perdoe. Vocês precisam ajudar o Brasil. Não é hora de estimular desavenças. O país precisa de paz para votar as reformas no Congresso e avançar.

— Acha que revelações de Bebianno podem atrapalhar as reformas?

— Não quero falar sobre isso. Me perdoe. Um bom resto de noite pra você.

O áudio cujo vazamento deixou Bolsonaro particularmente abespinhado foi veiculado no site de Veja. Traz o conteúdo de mensagem trocada na última terça-feira (12). Ainda internado no hospital Albert Einstein, o presidente ralhou com Bebianno: "Como você coloca nossos inimigos dentro de casa?" O capitão irritara-se com o agendamento de uma audiência do seu ministro com Paulo Tonet Camargo, o executivo do Grupo Globo. Ele seria recebido naquela terça-feira, no Planalto. O encontro foi cancelado.

O relacionamento de Bolsonaro com a Globo azedou desde a campanha. Piorou depois que Flávio Bolsonaro, o filho-senador do presidente, tornou-se protagonista do noticiário sobre movimentações bancárias suspeitas detectadas pelo Coaf. Para Bolsonaro, o noticiário dos veículos de comunicação do Grupo Globo sobre seu filho não é isento. Daí a expressão "inimigos".

No período da manhã, a sexta-feira parecia se encaminhar para um arrefecimento da crise fabricada pelo próprio Bolsonaro, em parceria com o filho-tuiteiro Carlos Bolsonaro. O entendimento entre o presidente e Bebianno foi esboçado numa reunião no Alvorada. Foram recebidos no palácio residencial os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria Geral), além da deputada Joice Hasselmann (PSL-SP).

Embora se referisse a Bebianno de forma pouco amistosa, Bolsonaro foi convencido a manter o ministro no cargo. A trinca de interlocutores do presidente dirigiu-se, então, ao Planalto. Informado sobre a disposição do chefe de manter a sua cabeça sobre o pescoço, Bebianno foi aconselhado a baixar as armas durante o final de semana, distanciando-se de polêmicas. Ficou entendido que Bolsonaro receberia Bebianno na segunda-feira, para selar o armistício.

No início da tarde, contudo, ao farejar o vazamento de áudios que enviara a Bebianno, o capitão deu de ombros para a recomendação médica de permanecer em repouso e rumou para o Palácio do Planalto. Reuniu-se com os ministros que estavam em Brasília. Inteirou-os sobre os fatos. Sintomaticamente, excluiu Bebianno da conversa. Só depois, no final da tarde, mandou chamar seu novo desafeto.

Foi o primeiro encontro de Bebianno com Bolsonaro desde que o presidente e seu filho Carlos o chamaram de "mentiroso". Considerando-se o teor dos fragmentos que vieram à luz, a conversa foi rude. Um pedaço do diálogo foi testemunhado pelo vice-presidente Hamilton Mourão e por dois ministros: Augusto Heleno (chefe do GSI) e Onyx Lorenzonni (Casa Civil). Mas Bolsonaro e Bebianno também tiveram a oportunidade de falar a sós.

O presidente chegou a oferecer ao ministro a possibilidade de transferir-se do primeiro escalão do governo para uma diretoria de estatal. Mencionou a hidrelétrica de Itaipu. Ao relatar a conversa para um amigo, Bebianno declarou ter ficado "profundamente ofendido" com a oferta. Considera-se "traído" pelo presidente. Expressou-se numa linguagem que o capitão é capaz de compreender: "Um comandante não atira num soldado assim, pelas costas."

Tomado pelas palavras, Bebianno parece estar pintado para a guerra. Disse que Bolsonaro "enlouqueceu". Contou ter sido abordado pelo general Hamilton Mourão. Munido de panos quentes, o vice de Bolsonaro, pediu que tivesse calma. Mas até a noite passada Bebianno não parecia disposto a atender. Seu amargor começou a transbordar para as redes sociais já durante a madrugada.

Pela manhã, em viagem oficial à cidade de Sorriso, no Mato Grosso, Mourão fora questionado por um repórter sobre a conveniência de silenciar os filhos do presidente. Sem citar Carlos Bolsonaro, que frequenta o noticiário sobre a crise ao lado do pai, Mourão declarou: "Os filhos são um problema de cada família. Eu tenho certeza que o presidente, no momento aprazado, correto, ele vai botar ordem na rapaziada dele. Fica tranquilo." 

Embora as declarações de Mourão soem sensatas, a encrenca é mais complexa. Pode-se gostar ou não da loquacidade do vereador Carlos Bolsonaro nas redes sociais. Mas a maior injustiça que se pode cometer com o personagem é atribuir-lhe toda a culpa pela produção da crise que eletrifica o governo. O 'pitbull', como o presidente se refere ao filho, é apenas coadjuvante no enredo de uma encrenca estrelada pelo pai.

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