Parlamento despreza transparência com aprovação-relâmpago de emendas
Por Editorial / O GLOBO
Sai legislatura, entra legislatura, e os parlamentares continuam ignorando a necessidade de transparência no repasse de dinheiro público por meio das emendas parlamentares. Na quarta-feira, as comissões da Câmara levaram menos de um minuto para aprovar a destinação de verbas, sem deixar claro quem são os responsáveis pelas indicações, contrariando determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na Comissão de Saúde, uma das mais bem aquinhoadas, com R$ 3,8 bilhões para distribuir, as indicações foram aprovadas em 20 segundos. Como não se tornaram públicas, o país ficou sem saber a que se destinavam, quanto cada projeto receberia e quem o patrocinou, informações fundamentais para a sociedade e para os órgãos de controle e fiscalização. Na Comissão de Integração Nacional, bastaram oito segundos para a aprovação. Nem deputados que participaram dos encontros sabiam se suas indicações haviam sido contempladas, como revelou reportagem do GLOBO.
Antes das aprovações-relâmpago, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), se reuniu com presidentes das principais comissões permanentes para discutir um plano de aceleração na destinação das emendas. O governo fixou em R$ 42,8 bilhões o limite de pagamento das emendas para este ano. Dos R$ 7,6 bilhões previstos para as comissões da Câmara, nada havia sido ainda empenhado (o pagamento não é obrigatório e costuma ser feito por meio de acordos políticos). É legítimo querer destravar os repasses, mas não se pode perder de vista que se trata de dinheiro público, por isso tudo precisa ser feito com transparência e mediante justificativas razoáveis.
As emendas têm sido foco de embate intenso entre Legislativo e Judiciário. Mesmo com o fim das emendas do relator, julgadas inconstitucionais pelo Supremo, o “orçamento secreto” — indicações de gastos sem identificar o autor — persiste por meio das emendas de comissão. No fim do ano passado, o ministro Flávio Dino, do STF, mandou bloquear R$ 4,2 bilhões em pagamentos dessas emendas, gerando insatisfação no Congresso. Com razão, ele exigiu a documentação de todo o processo orçamentário “para atendimento das regras constitucionais de transparência e rastreabilidade”.
Já é questionável o sequestro de parcela tão grande do Orçamento pelo Congresso por meio das emendas parlamentares, cuja destinação segue critérios políticos, em vez de técnicos — os recursos são dirigidos a quem tem padrinhos poderosos, e não a quem precisa. A situação se agrava quando esses repasses são feitos de forma obscura, abrindo espaço a casos de corrupção nem sempre fáceis de detectar. Operações da Polícia Federal já flagraram valores desviados de emendas escondidos em sapatos, gavetas de armário, jogados pela janela ou em outras situações quem envergonham a classe política. O mínimo que se espera é saber quanto é destinado, a quem, para quê e por quem. Não é favor, mas obrigação.