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Motta vê Lula com foco apenas em propostas do PT, e Câmara deve passar a analisar pauta própria

Por  — Brasília / O GLOBO

 

 

Aliados do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), analisam que o clima atual entre o governo e o Congresso se deve a uma decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ouvir apenas as propostas do PT na política e na economia e não trazer para perto de si sugestões de outros partidos de centro que também fazem parte da base, como Republicanos, PP, União Brasil, PP, PSD e MDB. O Palácio do Planalto se disse surpreendido com a mudança de tom de Motta, que havia sinalizado aval para a proposta do governo sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e, 16 dias depois, marcou a votação do projeto que derrubou a iniciativa.

 

Esses partidos, principalmente na Câmara, também se veem mal representados na Esplanada dos Ministérios, mas acreditam que o tempo hábil para uma reforma ministerial já passou, visto que falta menos de um ano para abril de 2026, prazo para os ministros deixarem os cargos para concorrer nas eleições.

 

Além disso, há uma avaliação de que o núcleo duro do governo, como os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e da Casa Civil, Rui Costa, não tem conseguido fazer uma boa articulação política com o Congresso.

 

Em outra frente, há também uma demanda para que a Câmara assuma um protagonismo político maior e toque uma agenda de reformas independente do diálogo com o Executivo.

 

O sinal mais recente de descasamento entre a agenda dos deputados e do Poder Executivo aconteceu nas discussões sobre o aumento do IOF, que foi determinado por meio de um decreto do governo, que posteriormente recuou em sua intensidade.

Mesmo com o recuo, o Congresso derrubou a medida na última quarta-feira, em meio a uma semana que seria tradicionalmente esvaziada pelas festas juninas. Câmara e Senado aprovaram a derrubada do decreto no mesmo dia, e o anúncio de que a votação aconteceria foi dado às 23h35 do dia anterior por Motta nas redes sociais, sem aviso prévio para o Poder Executivo.

 

Nesta semana, o embate se intensificou com a decisão do governo em recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para anular a decisão do Congresso, o que foi considerado uma "declaração de guerra" por parte dos líderes.

 

— O governo precisa discutir a ideia dos outros partidos, não só do PT, como diminuir o tamanho do Estado e liquidar empresas desnecessárias. A partir do momento que passarmos a discutir essas questões, muda o tom. Só vale a proposta do PT. As do MDB, do presidente do Republicanos (Marcos Pereira), não valem nada — disse o líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL), um dos poucos parlamentares a serem avisados previamente por Motta que a derrubada do decreto seria votada.

 

O emedebista, no entanto, nega haver guinada contra o governo e disse que a Câmara aprovou iniciativas de interesse do Executivo como as que tratam do empréstimo consignado, do fundo social de habitação e do leilão de petróleo.

 

O governo tentou aumentar o IOF para ampliar a arrecadação e evitar um déficit nas contas públicas, mas não propôs medidas de corte de gastos, o que gerou indisposição com o Congresso.

 

Também faz parte do pacote uma Medida Provisória (MP) que aumenta a tributação sobre fintechs e bets. Dentro da MP os pontos que mais enfrentam resistência dizem respeito à tributação em 5% de Imposto de Renda em uma série de aplicações financeiras que hoje são isentas de tributos, como a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e Letra de Crédito Imobiliário (LCI).

 

Para o deputado Pedro Lupion (PP-PR), coordenador da bancada ruralista do Congresso, grupo que resiste a rever a isenção da LCA e também é contra o aumento do IOF, a decisão de Motta de pautar a derrubada do decreto foi o primeiro passo para o presidente da Câmara começar a deixar sua marca.

 

— O Congresso começou de fato a mostrar que precisa ser respeitado. O resultado foi um recado muito forte de que o governo não tem absolutamente nenhuma base e nenhuma articulação política. Hugo Motta começou a imprimir sua marca na presidência e o governo vai ter que mudar muita coisa se quiser ter minimamente uma sobrevivência — afirmou Lupion.

 

A primeira vez que o chefe da Câmara ensaiou uma mudança no discurso e criticou o governo diretamente foi no dia 26 de maio, um dia após Haddad dizer em entrevista O GLOBO que o Congresso não colabora com a agenda fiscal.

 

Em resposta, Motta publicou nas redes sociais que o governo “'não pode gastar sem freio e depois passar o volante ao Congresso”. Embora não cite nominalmente Haddad, a aliados o presidente da Casa disse que a publicação foi endereçada ao ministro e que a avaliação que ele fez não caiu bem no Congresso e não podia ficar sem uma resposta pública.

 

 

Um dos vice-líderes do governo na Câmara, Pedro Paulo (PSD-RJ) tem feito discursos críticos à gestão petista e se queixou do tom adotado pelo governo:

 

— Essa tensão que se coloca querendo colocar rico contra pobre, como se o governo tivesse o monopólio da defesa dos pobres, isso tudo já saturou. (...) Hoje é mais fácil aprovar um projeto que é construído pelo Parlamento do que um projeto que vem do Executivo. A exemplo, o decreto e essa MP que é praticamente impossível ser aprovada.

 

Aliados do governo não escondem o incômodo com Motta e consideram que ele quebrou um acordo por ter derrubado o decreto em uma sessão remota, em meio a um Congresso esvaziado pelas festas juninas e com um aviso feito em cima da hora, quase de madrugada.

 

Setores do PT têm estimulado críticas ao presidente da Câmara nas redes sociais. Motta passou a figurar entre os assuntos mais comentados no X (antigo Twitter), com uma maioria de menções negativas. Influenciados por petistas, há comentários de militantes a favor do governo nas redes associando as ações de Motta aos ex-presidentes da Câmara Arthur (PP-AL) e Eduardo Cunha e ao presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI).

 

A avaliação de parte da base do governo, no entanto, é que não deve haver um rompimento com Motta e que Lula precisará conversar com ele, mas apenas quando a crise estiver decantada.

 

Reforma Administrativa

Enquanto isso, Motta tenta nos primeiros meses de seu mandato à frente da Casa criar as condições políticas para colocar de pé uma marca para sua gestão. Seus antecessores no cargo conseguiram destravar iniciativas estruturantes. Rodrigo Maia aprovou as reformas trabalhista e da Previdência, e Arthur Lira levou adiante a Reforma Tributária. Agora, Motta aposta na reforma administrativa para reorganizar o serviço público.

O deputado criou um grupo de trabalho, sob a coordenação de Pedro Paulo, com o objetivo de tirar a iniciativa do papel. O tema provoca divergências entre partidos de diferentes espectros e é alvo de pressões de uma das categorias mais organizadas em Brasília: o funcionalismo.

— Será umas das principais pautas. É importante a Câmara discutir e aprovar uma modernização da máquina pública, mudanças que baixem o custo e entregue serviços públicos de mais qualidade para a população que mais precisa — disse Motta ao GLOBO.

 

O chefe da Casa tem participado de eventos voltados para empresários em que constantemente fala do assunto. O tema tem sido objeto de embates com o governo. O Ministério da Gestão e Informação (MGI) e a ministra da pasta, Esther Dweck, já publicaram posicionamentos contra a inclusão de medidas de ajuste fiscal na reforma administrativa.

 

Motta também considera essencial temas como o projeto que regulamenta a Inteligência Artificial, além de projetos relacionados à Segurança Pública. Na lista de prioridades da Câmara está a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, enviada pelo governo, mas que o presidente da Câmara já disse que terá protagonismo do Legislativo, com mudanças no texto.

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