Partidos com ministérios no governo Lula deram 65% dos votos a favor da urgência para derrubar decreto do IOF
Por Camila Turtelli e Lauriberto Pompeu — Brasília / O GLOBO
A aprovação da urgência para o projeto que susta o decreto do governo que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) se tornou um novo termômetro do desgaste entre o Palácio do Planalto e a Câmara dos Deputados. Levantamento feito pelo GLOBO aponta que os partidos que hoje comandam ministérios no governo Luiz Inácio Lula da Silva foram responsáveis por 65% dos votos favoráveis à tramitação acelerada da proposta, considerada um recado direto ao presidente e ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Antes mesmo do início da sessão, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), já havia antecipado o tom da noite ao afirmar que a votação seria “muito simbólica sobre o sentimento da Casa” em relação às medidas de aumento de impostos adotadas pelo governo. A declaração expôs a dimensão política que o tema assumiu entre os deputados, independentemente do resultado prático imediato da votação. No total, dos 444 deputados que votaram, 346 foram a favor da urgência, 97 votaram contra e houve 1 abstenção. Entre os votos favoráveis, 65% vieram de siglas com representação na Esplanada dos Ministérios, como União Brasil, PSD, MDB e Republicanos.
Os partidos com ministérios no governo Lula deram 225 votos favoráveis à urgência para derrubar o decreto do IOF. O União Brasil foi o que mais contribuiu entre aqueles como ministério, com 55 votos a favor;
- Em seguida, vieram o PSD, com 40; O Republicanos, com 39; O MDB, com 34; O PDT, com 14; O PP, com 39; E o PSB, com 4 votos. Já o PT, o PCdoB e o PV, que juntos formam a federação governista, não registraram nenhum voto a favor da urgência Em um sinal de que jogou a toalha, o governo liberou a bancada na hora da votação. Sem força para unificar a base, o Palácio do Planalto preferiu não orientar os deputados, diante da avaliação de que a derrota era inevitável.
O discurso do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), no qual ele anunciou a liberação, foi recebido com um aplauso tímido de menos de cinco deputados da base aliada. A ausência de integrantes da articulação política no plenário durante a votação reforçou a percepção de abandono da linha de frente pelo Executivo.
— Estamos votando a urgência, que foi uma construção que vários líderes da base encaminharam durante o dia de hoje e é natural que a oposição fique o tempo todo comemorando uma tese que não é dela. Essa construção que os líderes da base fizeram é no sentido de votar a urgência e termos o tempo necessário para debatermos o mérito — disse José Guimarães.
Por outro lado, aliados do governo avaliam que ao menos conseguiram conter o ímpeto da oposição por votar o mérito já nesta segunda-feira. O acordo fechado com os líderes garantiu que apenas a urgência fosse apreciada, empurrando a decisão final para as próximas semanas.
O movimento desta segunda-feira é apenas o capítulo mais recente de uma crise que vem se arrastando desde a edição do decreto que elevou as alíquotas do IOF sobre operações de crédito, em maio. Ao longo das últimas semanas, Motta tem acumulado críticas públicas à condução da política econômica e à demora na liberação de emendas parlamentares.
Em reunião realizada horas antes da votação, o presidente da Câmara voltou a cobrar a equipe de articulação política do governo sobre o atraso na execução orçamentária, destacando o congelamento até mesmo das emendas impositivas, que são de direito de todos os parlamentares.
O encontro, que reuniu Motta, líderes partidários e os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), teve como objetivo tentar reduzir a temperatura da crise. Integrantes do governo atribuíram os atrasos à demora na aprovação do Orçamento de 2025, sancionado apenas em março.
Mas, segundo interlocutores de Motta, o encontro não foi suficiente para mudar o humor da base, que continua resistente a outras medidas do pacote fiscal elaborado por Haddad. O decreto do IOF e a medida provisória que amplia a tributação sobre setores antes isentos são vistos como símbolos de uma estratégia arrecadatória adotada sem o devido diálogo com o Congresso.
Desde o fim de maio, Motta vem enviando sinais públicos de desconforto com o governo. O chefe da Câmara sinalizou aos ministros que o Executivo precisa apresentar um novo cardápio de opções, desta vez com foco em medidas de corte de gastos.
Motta também avalia que a MP precisará ser bastante alterada durante a tramitação, mesmo com o relator sendo o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), do partido do governo. Apesar disso, a cúpula da Câmara descarta devolver a MP, o que faria com que ela perdesse validade.
As reviravoltas em torno do IOF já resultaram em três decretos diferentes sobre o assunto. O primeiro foi publicado em 22 de maio e elevou a alíquota de diversas operações. No mesmo dia, o governo recuou apenas na tributação das remessas de fundos brasileiros ao exterior.
Após reação negativa de setores do mercado e de parlamentares, o governo publicou um novo decreto na última quarta-feira, recalibrando os valores do IOF. Com o recuo parcial, a Fazenda estima reduzir a arrecadação neste ano de R$ 19,1 bilhões para um intervalo entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões.