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Poder de polícia a torto e a direto

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

O Estatuto Social da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), em seu artigo 3.º, é bastante claro: a finalidade da empresa é organizar o sistema viário em suas diversas necessidades, desde o planejamento até sua exploração econômica, passando por fiscalização e educação. Em nenhuma linha ali ou em qualquer lugar está escrito que os agentes da CET podem exercer poder de polícia.

 

Mas isso não é mais um problema. O Senado, no embalo da aflição popular em relação à segurança pública, acaba de aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para incluir as guardas municipais e os agentes de trânsito no sistema de segurança pública. Se o texto passar na Câmara, os guardas municipais e os agentes de trânsito entrarão na lista dos integrantes das corporações responsáveis pela “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

 

Eis aí a solução do Congresso para resolver o problema da sensação de insegurança nas grandes cidades: distribuir poder de polícia a torto e a direito. É evidente que este jornal não se opõe, de maneira nenhuma, ao aumento da capacidade do Estado de policiar. Mas não se pode promover esse aumento de maneira indiscriminada, sem levar em conta necessidades óbvias como treinamento adequado e demarcação clara de competências.

 

Isso demandará formação teórica, respeito ao protocolos, uso de câmeras corporais, capacidade de diálogo e atuação conjunta com outras corporações, de modo a não haver embates como ocorrem entre polícias civis e militares, além de forte controle externo, por meio da supervisão do Ministério Público, de corregedorias atuantes e de ouvidorias independentes. Sem isso, o que teremos é um grande número de agentes do Estado autorizados a exercer o poder de polícia sem qualquer preparo técnico para isso e sem definição de limites de atuação, o que acarreta evidentes riscos para a sociedade.

 

A confusão já havia ganhado escala com a decisão do Supremo Tribunal Federal de dar às guardas municipais a possibilidade de atuar no policiamento ostensivo, o que não estava previsto na Constituição, que atribuía essa função à Polícia Militar, sob o comando dos governos estaduais. Às guardas municipais cabia apenas proteger os bens, serviços e instalações municipais. E o Congresso está prestes a ampliar esse ruído constitucional.

 

O relator da PEC, senador Efraim Filho (União Brasil-PB), comemorou o avanço da pauta. Num vídeo em que aparece ao lado de agentes de trânsito uniformizados, ele declara que agora esses agentes poderão “praticar um policiamento ostensivo”: “Ali, no momento em que estão naquela via, controlando e fiscalizando o trânsito, (vão) poder atuar num flagrante de roubo, de furto, em uma tentativa de sequestro, um estupro”.

 

Como disse ao Estadão a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, “o que pauta o debate no Brasil sobre a segurança pública”, infelizmente, “é uma luta corporativista por ampliação de atribuição: todo mundo quer ser polícia” – entre outras razões, porque “ser polícia” dá acesso aos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública.

 

O desfecho no Senado podia ter sido até pior. Os senadores rejeitaram uma emenda que incluía o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) entre os órgãos de segurança pública. O argumento é de que criaria conflito de competência com a Polícia Rodoviária Federal. Mas não será surpresa se, na subsequente tramitação da matéria, alguma aberração como essa for aprovada.

 

Trata-se de um evidente empobrecimento do debate sobre segurança pública. Não faz muito tempo, o governo entregou à Câmara uma PEC para tratar do tema, e as discussões mal começaram. Essa PEC até inclui as guardas municipais no sistema de segurança pública, mas não os agentes de trânsito, e seu foco é o combate ao crime organizado – esse, sim, o cerne do problema da segurança pública no País.

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