Deputados desperdiçam oportunidade de aperfeiçoar o serviço público
Por Editorial / O GLOBO
A Câmara dos Deputados perdeu mais uma chance de contribuir para melhorar a qualidade do serviço prestado à população pelo funcionalismo. Preferiu deixar de lado propostas que avançam na direção de uma necessária reforma administrativa para apenas aprovar aumento salarial aos servidores. É verdade que, no ano passado, foram prometidos reajustes a categorias que fizeram greve, mas a proposta original do governo ia além. Não se resumia a apenas aumentar o gasto com a folha de pagamento da União por meio de um reajuste salarial médio de 27% — ao custo de R$ 74 bilhões nos Orçamentos de 2025, 2026 e 2027.
Foram deixadas de lado novas regras para a progressão das carreiras no funcionalismo, vitais para modernizar o serviço público. O Sistema de Desenvolvimento na Carreira (Sidec) ficou para ser discutido por meio de um grupo de trabalho (GT), método conhecido de postergar decisões. Sem ele, fica adiada a criação de um mecanismo baseado em pontos, que poderiam depois ser usados na progressão das carreiras. Também estavam prontas para ser votadas regras para avaliar quem chegou ao topo.
Deveriam ter sido ainda aprovados outros aperfeiçoamentos importantes, como a ampliação da distância entre o salário inicial do servidor e sua remuneração final na carreira. Hoje não demora para que um recém-concursado alcance o topo — 13 anos em algumas categorias —, pois reajustes costumam ser dados em função do tempo de serviço, e não do mérito (distorção que uma reforma administrativa genuína deveria eliminar). Com isso, faltam incentivos para melhorar o desempenho, e cria-se uma situação em que aumenta a pressão por mais reajustes. O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos propôs mudanças que, para 90% do funcionalismo, estenderiam a 20 anos o prazo para alcançar o topo da carreira.
Embora as lideranças do governo evitassem o termo “reforma administrativa” para não se indispor com o aparato sindical, todas as mudanças formavam um primeiro passo na direção necessária. E haviam sido negociadas com os próprios sindicatos de servidores como contrapartida aos reajustes. Mas as lideranças da Câmara decidiram procrastinar, deixando tudo a cargo do grupo de trabalho. “O intuito do GT não é retirar direito de nenhuma categoria, mas podemos ter mais eficiência e agilidade”, disse o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Ora, as mudanças sugeridas não ferem o direito de ninguém.
A frustração na Câmara precisa ser compensada pelo Senado, para onde seguiu o projeto. Cabe aos senadores restabelecer o espírito original da proposta. Temores político-eleitorais quanto à reação das corporações sindicais não podem impedir a modernização das regras do funcionalismo num país onde o gasto com servidores representa uma das maiores despesas no Orçamento.
A Esplanada dos Ministérios em Brasília — Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
A Esplanada dos Ministérios em Brasília — Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil