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Congresso adota agenda de fundo corporativista

Por Editorial / O GLOBO

 

Findo o recesso de carnaval, os congressistas parecem ter escolhido suas prioridades na pauta de votações. Nenhuma tem a ver com as maiores preocupações da população, saúde e segurança. Vencidos, graças ao acordo com o Supremo, os obstáculos para liberar emendas parlamentares, o principal objetivo do Parlamento mantém-se o mesmo: defender os próprios interesses. No topo da lista, estão propostas de mudanças na legislação eleitoral, que precisam ser aprovadas até outubro para valerem já nas eleições de 2026.

 

A mais preocupante altera a Lei da Ficha Limpa, facilitando o acesso às urnas dos criminosos condenados em segunda instância. Pronta para ir ao plenário, ela deveria ser engavetada ou rejeitada por qualquer parlamentar preocupado com a infiltração do crime nas instituições da República.

 

Também formou-se consenso no comando das duas Casas legislativas de que as mudanças no Código Eleitoral e a minirreforma eleitoral, aprovadas na Câmara e estacionadas no Senado, devem avançar. Caberá à Comissão de Constituição e Justiça do Senado recolocá-las em tramitação. É compreensível que o assunto esteja no radar, mas não é aceitável que seja motivo para mudar regras que, em vez de alteradas, precisam antes ser cumpridas.

 

Entre as ideias em discussão, há desde a proposta de flexibilizar a cota feminina para candidatos ao Legislativo até o afrouxamento das normas para prestação de contas partidárias. Uma das mudanças de interesse dos políticos é limitar a R$ 30 mil as multas por falhas na prestação de contas, valor sem qualquer proporcionalidade com as cifras que o Tesouro transfere às legendas (apenas para o fundo eleitoral das eleições municipais do ano passado foram destinados quase R$ 5 bilhões).

 

Outra ideia insensata na proposta de Código Eleitoral determina que pesquisas de opinião apresentem “taxas de acerto”, conceito sem nenhum respaldo científico. Não cabe à Justiça Eleitoral apontar as melhores pesquisas, apenas zelar pela transparência delas. Também é inaceitável um “jabuti”, inserido na minirreforma eleitoral, substituindo por multa a cassação de mandato em casos de compra de votos. Uma terceira pauta corporativista perigosa prevê o aumento no número de deputados de 513 para 527. Para não ajustar as bancadas de estados pelo último Censo, há o risco de o Congresso aumentar o custo do Legislativo, sem proveito algum para a democracia.

 

Outros projetos visam a enfraquecer a Justiça Eleitoral. Um deles estabelece o regime de anualidade para resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, inspirado na regra estipulada na legislação tributária. Para impostos, é sensato que alterações feitas num ano só entrem em vigor no próximo exercício, mas é descabido usar o mesmo princípio para normas eleitorais.

 

Há todo tipo de ideia estapafúrdia entre os projetos apresentados. Se não houver filtro nas comissões e bom senso das lideranças, o risco é serem aprovadas. Também existem, é verdade, boas ideias, como a que cria uma quarentena de quatro anos para militares, promotores ou juízes disputarem eleições depois de deixar o cargo. Os novos presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP), têm a missão de manter nas gavetas pautas de interesse exclusivo de políticos, cuja aprovação depõe contra a imagem do próprio Congresso — e de levar adiante apenas mudanças ditadas pela sensatez.

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