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‘Não será uma sabatina meramente laudatória’, prevê Maria Tereza Sadek sobre Flávio Dino no Senado

Por Pepita Ortega / O ESTADÃO DE SP

 

Se for nomeado para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, o ministro da Justiça Flávio Dino deve apresentar ‘uma atuação consequencialista, observando a realidade além dos autos’. Também deve continuar agindo como o político que é, se alinhando a ministros com uma conduta mais ativa na Corte. A expectativa é a de que o comportamento do ministro será quase que oposto ao de sua antecessora Rosa Weber, que prezava pela discrição e a autocontenção.

 

Essa é a avaliação da doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo Maria Tereza Aina Sadek sobre a indicação de Flávio Dino à Corte, anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta segunda-feira, 27.

 

O ministro da Justiça vai passar por sabatina no Senado no dia 13 de dezembro – procedimento que deve ser marcado por tensões refletindo os embates que Dino travou com o Legislativo, na avaliação de Sadek. “Não vai ser uma sabatina meramente laudatória”, ela prevê.

 

Para Sadek, professora reconhecida por seu histórico domínio de temas relacionados aos tribunais e ao Judiciário, a escolha por Dino para a vaga de Rosa tangencia dois debates centrais: a falta de representatividade na Corte, que agora permanece somente com uma mulher, Cármen Lúcia, em seu colegiado, e o cenário inamistoso entre a cúpula do Judiciário e a do Legislativo.

 

Sobre a participação feminina no STF ter sido reduzida, Sadek questiona o motivo de não terem surtido efeito as pressões sobre Lula para a indicação de uma mulher negra ao Tribunal. Ela destaca o impacto da escolha para a imagem do presidente e para a própria legitimidade do STF.

Com relação aos atritos entre parlamentares e ministros da Corte, Sadek aponta que o recente acirramento de ânimos ‘parece mais uma questão de desavença entre os Poderes e não simplesmente uma questão de aprimorar’ o Judiciário.

Maria Tereza Sadek destaca que todas as alterações no sistema de Justiça se deram em meio a embates, mas sugere reflexão sobre o momento das discussões e os atores que as promovem.

“Toda instituição pode ser aprimorada, mas uma coisa é quando ela é aprimorada de modo interno e outra quando por pressão externa. Não dá para evitar pressão externa, sempre haverá. Resta saber o quanto essa pressão tem impacto ou não internamente”, pondera.

 

Leia a íntegra da entrevista de Maria Tereza Sadek.

 

ESTADÃO: Como o ministro deve atuar em pautas de interesse de um governo que ele integrou? Deve se declarar impedido?

 

MARIA TEREZA SADEK: O Flávio Dino é uma pessoa marcada por um ser político. Desde quando ele começou sua carreira como juiz, ele teve uma atuação política muito clara e política. Ele foi presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe). Depois, foi do Legislativo, Executivo e agora está de novo no Executivo e indicado para voltar ao Judiciário, no cargo mais alto que é o de ministro do Supremo. Ele é um ser político, então não tenho dúvidas que vai continuar agindo como político.

Sobre um eventual impedimento, acho que vai depender da causa e da questão. Porque se ela é claramente a favor do governo é provável que ele se considere impedido, até para justificar um pouco sua indicação. Nós ainda temos que esperar para ver como vai ser a sabatina no Senado. Tudo indica que ele vai ser aprovado, mas vai ser uma sabatina dura certamente, porque ele teve vários embates com o Legislativo, e eles devem repercutir pelo menos na sabatina. O que não significa dizer que ele não vá ser aprovado, acho que sim, mas não vai ser uma sabatina meramente laudatória.

 

ESTADÃO: A sra avalia que a Corte pode ficar mais política com o ingresso do ministro? De que maneira essa entrada afetaria a dinâmica do Supremo?

 

MARIA TEREZA SADEK: Se você comparar o Flávio Dino com a Rosa Weber nós estamos em dois planos quase opostos, porque ele está substituindo uma juíza que foi muito discreta, que prezava a autocontenção. Acho que o Dino vai se alinhar muito mais àqueles que têm uma atuação mais ativa no STF, como Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e o próprio presidente Luís Roberto Barroso. Acho que isso vai ficar muito claro, assim como é claro que o Lula não respondeu a pressões, nem do seu próprio partido, nem da sociedade civil, de vários grupos que queriam que ele nomeasse uma mulher negra.

 

ESTADÃO: A não indicação de uma mulher tem impacto sobre a imagem da Corte e a imagem do presidente da República?

MARIA TEREZA SADEK: Tem muito impacto. Em primeiro lugar tem um impacto em relação ao próprio partido do presidente. E, depois, em relação à sociedade como um todo. Leio vários jornais para ver as opiniões de leitores e para eles é muito claro que se trata de uma indicação política para, na verdade, proteger o governo. Todos os presidentes fazem isso, ninguém nomeia alguém simplesmente porque tem alto saber jurídico, reputação ilibada. Sempre se nomeia alguém que se considera alinhado. Isso não é novidade nem no Brasil nem em outros países.

Acho que no STF, vi pesquisas nos últimos dias que mostravam que o Supremo perdeu muito em legitimidade, grau de confiança. Acho que isso é um reflexo. O ativismo do STF foi muito importante durante o último governo, devemos muito da democracia ao desempenho do Supremo. No entanto, isso também tem um lado negativo: esse protagonismo é sempre visto de uma forma positiva ou não?

 

ESTADÃO: O quanto o STF perde ao ter somente uma mulher em sua composição?

 

MARIA TEREZA SADEK: Isso mostra mais a indicação do presidente do que do STF. O presidente é que resolveu não ouvir ou não ficar suscetível a essa pressão. Havia lista de mulheres competentes, com possibilidade de chegar ao STF. O próprio Barroso falou, ontem (segunda, 27), que é partidário à feminilização do Judiciário, mas isso não ocorreu. Acho que é muito sério do ponto de vista da sociedade. Porque essas pressões não surtiram efeito? Porque, de alguma forma, o presidente da República defendeu-se dessas pressões, de várias naturezas. A própria pressão do partido ele não ouviu. Assim como quando da nomeação do ministro Cristiano Zanin. O presidente se tornou menos sensível a pressões.

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