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‘Não existia vacina nenhuma’, diz intermediário que negociou com Ministério da Saúde

Natália Portinari / O GLOBO

 

BRASÍLIA - A investigação da CPI da Covid provocou um racha entre representantes da empresa norte-americana Davati Medical Supply que negociaram o fornecimento de vacinas com Ministério da Saúde. Um deles, Cristiano Carvalho, diz que, na verdade, foi vítima de um golpe e afirma que percebeu que a companhia dos Estados Unidos não tinha imunizante algum para vender ao governo brasileiro.

Depois de ser interrogado pela CPI da Covid, Cristiano Carvalho agora diz ao GLOBO que planeja entrar com uma ação contra Herman Cardenas, presidente da Davati.

— Eu estou convencido de que não existia vacina nenhuma. Eu fui usado — afirma Carvalho.

Procurado, Cardenas diz que o ex-funcionário é "mentiroso".

A negociação da Davati com o governo brasileiro vem sendo investigada pela CPI da Covid em meio à denúncia de que teria havido uma suposta cobrança de propina de US$1 por dose por parte de integrantes do ministério para fechar contrato.

A denúncia foi apresentada à CPI pelo policial militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominghetti, intermediário das negociações da Davati junto ao Ministério da Saúde. Ele acusou o então diretor de logística do órgão, Roberto Ferreira Dias, de cobrar propina durante um jantar em Brasília. Dias nega a história. Outros participantes do encontro não confirmaram o relato de Dominghetti.

Com a ajuda do policial militar, a Davati ofereceu ao Ministério da Saúde 400 milhões de doses de AstraZeneca e, depois, 200 milhões de doses da vacina da Johnson & Johnson sem autorização das respectivas fabricantes.

À CPI, Roberto Dias disse que a negociação não avançou porque os representantes da Davati não apresentaram documento comprovando que tinham autorização dos laboratórios fabricantes para vender as doses de vacina.

Quando prestou depoimento na CPI, Cristiano Carvalho sustentou que o dono da Davati nos EUA tinha informações sobre os fornecedores dessas vacinas. Agora, ele afirma que as versões da Davati sobre a origem desses imunizantes são “histórias da carochinha" e que o executivo norte-americano está “brincando com a vida das pessoas”.

Procurado pelo GLOBO, Herman Cardenas afirma que Cristiano não representa mais a Davati. Acrescenta ainda que o ex-funcionário “já se provou publicamente um mentiroso”. A assessoria da Davati diz, em nota, que “é importante esclarecer que a Davati Medical Supply reitera que apenas enviou a oferta (FCO) ao Ministério da Saúde após receber do allocation holder (alocador) a confirmação de que poderia disponibilizar as doses. Portanto, não é correta a informação que a Davati  não possuía as vacinas. Lembrando que a divulgação do nome do alocador não é permitida por questões de confidencialidade.”

Cristiano, por sua vez, adfirma que a Davati está tentando transferir a responsabilidade para ele sobre o ocorrido e que está se preparando para processar a empresa nos Estados Unidos. Ele e Dominghetti procuraram o ministério em nome da Davati, embora apenas Cristiano tivesse um documento para comprovar seu vínculo formal com os norte-americanos.

— Como a Davati não tem um CNPJ (no Brasil), sobra para mim. Eu respondo na CGU (Controladoria-Geral da União) em nome da Davati em um processo em que está envolvido o governo federal. O presidente da Davati continua se escondendo lá nos Estados Unidos e contando história da carochinha dos alocadores, que estão fartamente desmentidas.

—  Ele (Herman) é um aventureiro. Fazer isso vendendo, sei lá, luvas, seringas, é uma coisa. Mas fazer com vacinas? Numa pandemia, em que as pessoas estão morrendo?

'Motivo de piada'

Quem apresentou Cristiano a Herman Cardenas foi Glaucio Octaviano Guerra, coronel da Aeronáutica reformado em 2016 que mora nos Estados Unidos. Cristiano diz que ambos “caíram na real” sobre a Davati após Herman atrasar a entrega de documentações.

— O Guerra me apresentou o Herman como um mega empresário, um cara que tinha vacinas, possuía dois jatos executivos de uso próprio. Um dos maiores empresários do Texas. Ele afiançou completamente a situação do Herman. Ele mesmo foi enganado. Só viemos a descobrir que realmente não tinha vacina nenhuma em junho.

Em uma mensagem de WhatsApp enviada a Guerra, Cristiano escreveu: “Me tornei motivo de piada com essas vacinas. Muita irresponsabilidade dele (Herman) até agora”. O coronel da reserva respondeu então: “Nem fala. Comigo também. Se ele disser que não tem vacinas eu bloqueio ele para sempre”.

— Fomos enganados pelo Herman — diz Cristiano Carvalho. Procurado, Guerra não se manifestou.

'Pedido de propina'

Cristiano conta que, da primeira vez em que ouviu de Dominghetti o relato sobre a suposta cobrança de propina de US$ 1 por dose, ele se referia, na realidade, a uma comissão exigida por Marcelo Blanco, ex-assessor do ministério. Na época, Blanco já não tinha cargo na pasta, mas levou Dominghetti para um jantar com Dias no final de fevereiro.

Segundo Carvalho, Dominghetti detalhou depois a história em uma reunião que tiveram em março na Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), organização investigada pela CPI da Covid e que também teve participação na oferta de vacinas ao governo federal.

— Eu sabia que tinha a história do Blanco, soube logo após o jantar. Mas nunca soube que tinha partido do Roberto Dias — conta Cristiano Carvalho.

—  E dentro da Senah, ele solta "o Roberto Dias quer 1 dólar". Eu perguntei “como assim Roberto Dias quer um dólar? Isso não era o Blanco?". "Blanco é pau mandado do Roberto Dias, o Roberto Dias que pediu". Aí que eu comecei a ligar uma ponta a outra.

Blanco, que atuou como ponte entre Dominghetti e Roberto Dias durante as negociações de venda das supostas vacinas, também já depôs à CPI da Covid. Ele negou ter feito qualquer pedido de “comissão” ou ter tratado desse tema com Cristiano ou Dominghetti.

 

 

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