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Consultor diz à CPI da Covid ter visto erros em documentos de importação da Covaxin

André de Souza / O GLOBO

 

RASÍLIA — O consultor do Ministério da Saúde William Amorim Santana, técnico da Divisão da Importação da pasta, apontou problemas em um documento da compra da vacina Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech e representada no Brasil pela empresa Precisa, em depoimento à CPI da Covid no Senado nesta sexta-feira.

Santana disse que, após a primeira versão do documento de importação, pediu por telefone a correção dos erros. A segunda versão, porém, ainda tinha problemas, como a previsão de pagamento antecipado, enquanto o contrato estabelecia que isso ocorreria apenas depois da entrega. Assim, foi enviada a terceira versão corrigida.

— Eu telefonei e pedi a correção. A primeira vez eu liguei e pedi para corrigir. A segunda vez, não foi corrigido, eu mandei por e-mail, para deixar registrado — disse William, acrescentando: — Pedi que se atentasse, que no contrato não tinha essa cláusula (pagamento antecipado).

O valor negociado foi de 15 dólares por dose. Como eram 3 milhões, isso totalizava 45 milhões de dólares. A segunda versão, porém, era num valor maior, porque o frete o seguro estavam sendo cobrados à parte, totalizando quase 46 milhões de dólares. Isso foi corrigido na terceira versão, em que voltou a aparecer o valor correto.

As conversas dele foram com Emanuela Medrades, diretora técnica da Precisa:

— Ela sempre se prontificou a fazer as correções — disse Santana.

O funcionário é subordinado a Luis Ricardo Miranda, o irmão do deputado Luis Miranda (DEM-DF) que disse ter sofrido "pressão atípica" de seus superiores hierárquicos, dentre eles Roberto Dias, então diretor de Logística do Ministério, para aprovação rápida da negociação com o laboratório.

William disse ter visto a primeira versão do documento por meio de um link do Dropbox enviado por e-mail em 18 de março. O senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) mencionou uma perícia entregue pela Precisa dizendo que o link, no qual não está disponível o documento atualmente, nenhum arquivo foi excluído ou modificado, ou seja, nunca esteve lá. O senador disse também que outro laudo atesta que o documento foi criado só no dia 19. Em resposta, William reafirmou ter visto documento no dia 18, embora não tenha baixado.

Questionado por que inclui o documento no sistema interno do Ministério da Saúde apenas no dia 22 de março, ele explicou que se sentia inseguro sobre a continuidade do processo, uma vez que o cronograma já estava atrasado, tendo esperado a manifestação da fiscal do contrato. Ele disse ter encaminhado o e-mail com o link do Dropbox para a fiscal já no dia 18. Em seu depoimento na terça-feira, a servidora Regina Célia Silva Oliveira, fiscal do contrato, afirmou ter recebido o e-mail no dia 18, mas disse que não conseguiu abri-lo.

Na sequência, o senador oposicionista Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que a perícia foi contratada por uma empresa privada com negócios suspeitos, afirmou que confiava mais na palavra de William, e apontou algumas dados dessa perícia que avaliou não serem consistentes. O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, rebateu, apontando dados diferentes dos citados por Randolfe. Os senadores concordaram ser necessário pedir uma perícia à Polícia Federal.

Renan rebate Bolsonaro

Antes de iniciar seus questionamento na sessão, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), rebateu as declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que em sua live atacou a comissão e disse "caguei para a CPI".

— Ontem nós mandamos uma carta para o presidente da República, e o país ficou estupefato com a maneira como ele respondeu esta comissão parlamentar de inquérito. A escatologia proverbial do presidente da República recende ao que ocorreu no seu governo na pandemia. Todos sentimos esses odores irrespiráveis que empestearam o Brasil e mataram tantos inocentes — afirmou o relator da CPI.

Investigações:  Pressionado, Pacheco deve prorrogar CPI da Covid na próxima terça-feira

Renan também disse que a comissão vai continuar o trabalho de investigação, sem medo de quarteladas. Na quarta-feira, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) comentou o envolvimento de militares em irregularidades nos fatos investigados. O Ministério da Defesa reagiu dizendo que "as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro". Na noite de quarta, Omar se manifestou novamente dizendo que não seria intimidado.

— Vamos em frente, sem medo e investigando quem precisar ser investigado. Nós não podemos ter medo de arreganhos, de ameaças, de intimidações, de quarteladas — disse Calheiros. — Não vamos investigar instituições militares. Longe de nós. Temos responsabilidade institucional. Agora, nós vamos sim investigar o que ocorreu nos porões do Ministério da Saúde. E na medida em que esses fatos forem sendo conhecidos, que as provas forem apresentadas, vamos cobrar punição dos seus responsáveis, sejam eles civis ou militares.

Pressões na pasta

O relator Renan Calheiros citou os nomes de alguns integrantes e ex-integrantes do Ministério da Saúde listados em outros depoimento e perguntou se William tratou com ele a negociação para a compra da Covaxin. O consultor disse que o ex-diretor do Departamento de Logística da pasta Roberto Dias não fez contato com ele para deixar de seguir os trâmites regulares. Contou que nunca conversou sobre o assunto com Marcelo Bento Pires. E afirmou que conversou Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos, que procurava saber como estava o andamento do processo, mas negou ter sido pressionado.

— Eu sou um consultor subordinado a Luis Miranda [chefe da Divisão de Importação]. Se houve [pressão], foi direcionado a Luís MIranda — disse William.

Em seu depoimento, Luis Ricardo Miranda afirmou que sofreu pressão dos três.

Santana também disse que nunca conversou sobre o assunto com o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Élcio Franco, nem com o ex-diretor substituto do Departamento de Logística Marcelo Blanco e o ex-subsecretário de Assuntos Administrativos do Ministério da Saúde Alexandre Martinelli.

— Que eu posso dizer, no âmbito das atribuições que eu tinha, não tive contato com ele (Élcio).

Todos os nomes citados, com exceção de Roberto Dias, são militares.

Miranda relatou à CPI que, em encontro com Bolsonaro, denunciou pressão sobre seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo, para liberar a vacina Covaxin. Na ocasião, ele disse que o presidente mencionou o nome do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), que foi ministro da Saúde quando a pasta fechou contrato com a empresa Global, que recebeu pagamento antecipado mas nunca entregou os medicamentos comprados. A Global é sócia da empresa Precisa, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, desenvolvedor da Covaxin.

Renan perguntou a Santana se a Precisa ofereceu alguma propina, e William respondeu que não. Também disse que nunca favoreceu a empresa e que toda a comunicação com a Precisa está registrada em e-mail, ou feita pelo telefone do Ministério da Saúde em viva voz.

Questionado se era comum ter tantos erros num documento de importação como o apresentado pela Precisa, ele disse:

— Não nessa quantidade.

O senador de oposição Humberto Costa (PT-PE) avaliou que os erros nos documentos de importação, que chegaram a prever pagamento antecipado e valores acima do contrato, foram intencionais:

— Houve uma tentativa de "colar, colou".

Santana disse que Luís Ricardo mencionou estar sofrendo pressão para liberar a Covaxin, mas não citou nomes e disse para ele seguir normalmente com seu trabalho. Diante da insistência do presidente da CPI, Omar Aziz, o consultor disse:

— A chefia dele.

Aziz perguntou então quem era o chefe de Luís Ricardo.

— Subordinado na época a Alex Marinho — disse William.

— O senhor subtende que seja o chefe dele [quem pressionou]? — perguntou o senador Eduardo Girão (Podemos-CE).

— Isso — respondeu William.

Demora em envio de documentos da Saúde

Renan reclamou da demora do Ministério da Saúde em mandar documentos da negociação com a Covaxin e lançou uma suspeita sobre a razão disso:

— Até agora o Ministério da Saúde não mandou esses documentos. Sabe por que? Porque existem coisas escabrosas ainda maiores nessa grande negociata, enquanto os brasileiros morriam. Por exemplo, sabe-se agora, e vamos confirmar, que o secretário-executivo requisitou a compra à Precisa de mais 50 milhões de doses, além da negociação feita a partir da autorização da Câmara dos Deputados, que o Senado barrou, de permitir a compra pela iniciativa privada, que também seria realizada à Precisa.

Convocação de Onyx

Renan defenceu a convocação do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Onyx Lorenzoni, por entender que, na tentativa de desqualificar as denúncias de irregularidade, ele tenha apresentado um documento de importação falsificado.

— Eu peço a imediata convocação do ministro Onyx Lorenzoni para esta comissão para que ele venha depor sobre o crime de falsidade, ao exibir perante a nação, para confundir a investigação desta comissão parlamentar de inquérito, um documento que sequer existe, falso. Portanto, a sua presença nesta Comissão é importantíssima — disse Renan.

A convocação de Santana foi aprovada nesta quarta-feira após requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, para quem o servidor em conhecimento de informações relevantes sobre o contrato celebrado entre a União e a Bharat Biotech. O nome dele foi citado na CPI pela fiscal de contratos da pasta Regina Célia Oliveira, que prestou depoimento na última terça-feira.

Segundo Regina Célia, Santana era o responsável pela liberação da importação da vacina Covaxin, apesar das irregularidades nos contratos da pasta com o laboratório Bharat Biotech.

Problemas com Madison

No depoimento que deu na terça-feira, a fiscal do contrato com a Covaxin no Ministério da Saúde, Regina Célia Silva Oliveira, disse que havia dois pontos com problema no documento de importação: um quantitativo de 3 milhões de doses na primeira remessa, menor do que os 4 milhões contratados; e o nome de uma empresa chamada Madison, subsidiária do laboratório indiano Bharat Biotech, que não aparecia no contrato. Regina Célia disse que aceitou a explicação dada pela Precisa sobre a diminuição da quantidade, mas não tratou da questão da Madison.

— Nesse momento a divisão de importação deveria ter me alertado que a invoice permanecia ainda com essa divergência. Se ele não me alertou, eu entendi que estava tudo correto — disse Regina na terça.

Nesta sexta-feira, William disse que falou com ela sobre essa questão por telefone, mas como ela autorizou o prosseguimento do processo, não cabia a ele interrompê-lo.

— Eu liguei para ela e externei dois pontos: o quantitativo está menor e figura uma terceira empresa que não está citada — disse William, acrescentando: — Na hora em que eu liguei, ela mandou e-mail para a Madison.

Na quinta-feira, a CPI encaminhou um ofício ao Palácio do Planalto cobrando posicionamento do presidente da República, Jair Bolsonaro, sobre as acusações apresentadas à comissão pelo deputado federal Luis Miranda. A carta foi assinada pelo presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz (PSD-AM), pelo relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), e pelo vice-presidente, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Após a comunicação, porém, Bolsonaro disse que não irá responder às perguntas feitas pelos senadores da CPI da Covid em relação às denúncias de corrupção no Ministério da Saúde. O presidente reagiu com raiva ao ofício e xingou a comissão que investiga o governo federal.

 

 

 

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