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Defesa de Cardozo injeta legalidade no ‘golpe’

A presença do ministro José Eduardo Cardozo (Advocacia da União) na comissãoque trata do impeachment na Câmara criou uma modalidade sui generis de golpe de Estado: o golpe com direito de defesa. Além de ser o portador da defesa escrita de Dilma Rousseff, Cardozo fez a defesa oral da presidente. Ao final, repetiu o mantra do governo. O afastamento de Dilma, disse o ministro, seria um “golpe”. Nessa versão, o Brasil só será uma República respeitável se Dilma for salva.

Cardozo é advogado de formação e também ex-deputado federal. Cumpriu bem o seu papel. No campo jurídico, disse que Dilma não pode ser afastada porque não cometeu crime de responsabilidade. Na seara política, constrangeu o PSDB, tachou de ilegítimo um eventual governo de Michel Temer e caracterizou o processo como uma vingança de Eduardo Cunha.

Sobre o tucanato, Cardozo repetiu que Dilma não fez em matéria orçamntária nada que FHC também não tivesse feito. Acrescentou que prefeitos e governadores também deram suas “pedaladas”. Citou Geraldo Alckmin. Insinuou que, se Dilma for impedida, Alckmin também terá de ser apeado do poder. O que seria “um absurdo”, já que o governador também não praticou ilegalidade.

Sobre Temer, Cardozo insinuou que um governo nascido de uma “ruptura constitucional''estaria ferido de morte, “não teria legitimidade” para governar o país. Faltariam segurança jurídica e respeito da comunidade internacional. De resto, o afastamento de Dilma, sem fundamento legal “jamais será perdoado pela história”, disse.

Sobre Eduardo Cunha, o ministro afirmou que o presidente da Câmara desengavetou o pedido de impeachment por “vingança”, não para cumprir a Constituição. Sustentou que o deputado só agiu depois que Dilma se negou a providenciar os votos que o ajudariam a arquivar o pedido de cassação do mandato que corre contra ele no Conselho de Ética da Câmara.

Nesse ponto, Cardozo fabricou uma verdade que não corresponde aos fatos. Se dependesse de Dilma, o PT teria socorrido Cunha no Conselho de Ética. O partido é que, na última hora, decidiu não entregar os votos, empurrando a caneta de Cunha para o confronto. Quer dizer: se o PT tivesse tapado o nariz, como faz com Renan Calheiros no Senado, Cunha ainda seria um inimigo cordial do governo.

Paradoxalmente, o ministro se escora em Cunha para tentar circunscrever as denúncias que assediam Dilma. O pedido de impeachment não trata apenas de pedaladas fiscais. Conforme já noticiado aqui, a peça menciona também a mãe de todas as encrencas: o escândalo da Petrobras. Mas Cardozo alega que Cunha só recepcionou o pedaço da denúncia que se refere às pedaladas. Ainda assim, excluiu as transgressões fiscais que levaram o TCU a rejeitar as contas do governo de 2014.

Em sua “vingança'' seletiva, Cunha restringiu a acusação aos seis decretos de suplementação orçamentária editados por Dilma em 2015, disse Cardozo. Por isso, o ministro informou que o governo se recusa a discutir qualquer outro fato. Alega que a presidente não pode ser acusada por transgressões praticadas fora do mandato que está em curso.

A despeito de toda a habilidade de Cardozo, a defesa de Dilma a essa altura importa pouco. Os deputados que ainda não definiram seus votos prestam mais atenção no balcão aberto no Palácio do Planalto do que nas palavras do ministro e nas duas centenas de folhas levadas por ele à Câmara. A permanência da presidente no cargo depende do sucesso dos golpes que o governo desfere contra a moralidade e o interesse público. JOSIAS DE SOUZA

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