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O STF e o auxílio-voto

O Estado de S.Paulo

19 Agosto 2018 | 03h00

 

Além de ter aprovado a inclusão na proposta orçamentária de 2019 de um reajuste salarial de 16% para seus ministros, e que, se concedido, terá efeito cascata de cerca de R$ 4 bilhões para todo o Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou outra decisão marcada pelo corporativismo e pela insensibilidade fiscal.

Por 4 votos contra 1, os ministros da Segunda Turma decidiram que os juízes de primeira instância convocados para atuar na segunda instância do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não precisarão repor os valores que excederem o teto salarial do funcionalismo estabelecido pela Constituição. Em média, cada juiz convocado recebeu entre 2007 e 2009 R$ 41 mil por ano, ou seja, R$ 3,4 mil mensais. Na época, o teto do funcionalismo - equivalente ao salário de um ministro do STF - era de R$ 24,5 mil.

A convocação começou a ser feita na década de 2000, período em que a segunda instância do tribunal se encontrava abarrotada de recursos à espera de julgamento. Diante das cobranças do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que apressasse os julgamentos, a Corte convocou juízes para cobrir férias e ausências de desembargadores, concedendo-lhes um benefício pecuniário chamado auxílio-voto.

Considerando-o ilegal, em 2009 o CNJ determinou sua suspensão e a devolução dos valores pagos acima do teto. Também pediu ao presidente do TJSP que explicasse por que os valores do auxílio-voto vinham sendo depositados na conta dos beneficiados sem serem registrados no holerite. Como os esclarecimentos não foram prestados, apesar de terem sido feitas duas reiterações, o CNJ abriu processo disciplinar.

Um dos conselheiros que apoiaram essa decisão, Técio Lins e Silva, afirmou ser inconcebível a prática em que “o juiz profere uma decisão, vai ao caixa e pega um tíquete pelo pagamento do voto”. Reagindo à abertura do processo disciplinar e à ordem de devolução dos valores recebidos acima do teto, a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) recorreu ao STF e a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) pediu para atuar como litisconsorte.

Ao julgar o recurso em caráter liminar, em 2010, o relator Dias Toffoli acolheu o recurso da Apamagis, suspendendo as determinações do CNJ, sob a justificativa de que o órgão não teria dado a “atenção que o tema merecia”, mas rejeitou o pedido da Anamages. E agora, oito anos depois, o ministro analisou o mérito do caso, decidindo contrariamente ao CNJ com apoio de três dos cinco ministros que integram a Segunda Turma - Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Só o ministro Edson Fachin votou contra. Toffoli alegou que os juízes convocados pelo TJSP julgaram os recursos “o mais rapidamente possível” e os dispensou de devolver os valores acima do teto, sob a justificativa de que foram recebidos de “boa-fé”.

Discordando do entendimento, Fachin, afirmou que, como vários juízes chegaram a receber duas vezes o salário de um ministro do STF, o CNJ não só cumpriu sua função fiscalizadora, como seguiu a Constituição.

A solução dada ao caso do auxílio-voto pela Segunda Turma, favorecendo uma das corporações mais bem pagas do funcionalismo, é mais do que uma amostra do grau da alienação fiscal que aprofunda o desequilíbrio das finanças públicas. E também desmoraliza a figura jurídica do teto do funcionalismo.

Além disso, mostra que ministros do Supremo Tribunal Federal são capazes de colocar um conceito vago e indeterminado - o da boa-fé - à frente de uma regra constitucional clara e objetiva, como a que impõe o teto.

É essa a contradição que marca a atuação do STF nos últimos tempos: a Corte encarregada de atuar como guardiã da Constituição a vem desfigurando, por meio de interpretações tecnicamente imprecisas, do ponto de vista formal, e bisonhas, no conteúdo.

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