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STF 1: Cármen manobra, e Celso vira alvo de vilanias nas redes sociais. Ocorre que é ele a cumprir as regras do jogo, não ela

Já discordei aqui muitas vezes dos votos do ministro Celso de Mello, do Supremo. Já lhe dirigi críticas muito duras. Mas ele é um homem honrado. Infelizmente, uma atitude muito pouco leal de Cármen Lúcia, presidente do tribunal, transformou o decano na Casa em alvo dos vilipendiadores de plantão que dão plantão nas redes sociais e nas áreas de comentários de sites e portais da imprensa profissional. A síntese da coisa, com posterior detalhamento: Celso saiu em socorro de Cármen na semana passada e, como paga, em entrevista, ela o transformou num vilão. Explico tudo.

Conforme antecipei aqui na quinta-feira, os ministros do Supremo deveriam se reunir com Cármen nesta terça. Na pauta, a prisão depois da condenação em segunda instância. Ela é hoje voz minoritária no esforço de evitar a votação do tema. Por quê? Em razão da possibilidade de que o resultado possa beneficiar o ex-presidente Lula. E esse é o ponto que muitas pessoas, mesmo decentes e de boa-fé, resistem em entender: um tribunal não tem de olhar quem esta na fila do benefício ou da punição para tomar uma decisão. Ou o que se tem é casuísmo.

Cármen está fascinada pelos aplausos que tem recebido do antipetismo e pelo apoio de setores da imprensa. Todos sabem o que penso sobre o PT e sobre a esquerda no geral. Mas, como já deixei claro tantas vezes, não contem comigo para manter Lula preso ou solto em razão de uma trapaça ou manobra legais. A obrigação do tribunal é votar. Marco Aurélio, relator das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que tratam do tema, liberou as ações para votação em dezembro. Cármen ignorou solenemente o tema em fevereiro, em março e já antecipou, com pressa inédita, que a coisa não será votada nem em abril. O mais estupefaciente é que ela não esconde o motivo: acha que, ao julgar as ADCs, a maioria do tribunal vai se posicionar pela execução da pena após ao menos uma votação no STJ, na terceira instância.

Há gente que gostaria de me ver apoiando a decisão de uma ministra que manobra para evitar a votação de um tema porque ela antevê um resultado do qual discorda. É um despropósito! Ah, não contem comigo para isso! Nota: qualquer que seja o resultado das ADCs, elas não dizem respeito apenas ao ex-presidente. O tema, aliás, precede a questão “prende ou não prende Lula”.

E há uma terceira ação que está no tribunal. Diz respeito ao habeas corpus preventivo impetrado pela defesa de Lula. O relator, o ministro Edson Fachin, negou liminar, mas remeteu a questão ao pleno. Na prática, como se diz no jargão, “já levou a questão em mesa”, uma vez que distribuiu relatório a seus pares e pediu pauta. Mas Cármen quer mais do que essa formalidade. Quer que o ministro vocalize a necessidade de votar. E ele já disse que não vai fazê-lo. Em matéria de Lava Jato, o ministro só sabe ser corajoso a favor da aplicação de penas — vale dizer: a favor do alarido.

Na quarta-feira passada, ministros estavam dispostos a suscitar uma questão de ordem para pôr as ADCs em votação. Se isso tivesse acontecido, Cármen teria sido derrotada pelo plenário, e a questão entraria em pauta. Celso, então, como já narrei aqui, houve por bem sugerir a ela que fizesse uma reunião com os ministros nesta terça. Haveria, então, a possibilidade de se proceder à votação das ADCs — PORQUE O NORMAL, SENHORES LEITORES, É VOTAR A QUESTÃO, NÃO ESCONDÊ-LA — sem que parecesse que a presidente do tribunal estava sendo atropelada. De resto, ficaria claro ser ela contra o procedimento. Mas se resgataria a colegialidade, ainda que na divergência, o que é normal.

A ministra aparentemente concordou. Mas fez o quê? Não marcou a reunião e ainda disse à imprensa que a dita-cuja era vontade de Celso, não dela. Resultado: ele passou a ser alvo de ataques asquerosos nas redes sociais, como se estivesse manobrando para ajudar Lula, e ela está posando para selfies como heroína. E o que se tem é precisamente o contrário: é Cármen quem manobra com o receio de que Lula venha a ser beneficiado, como se um tribunal constitucional devesse subordinar a sua pauta ao destino de um homem.

A tensão aumenta nesta terça. A manobra da presidente contra o decano, estimado por todos os demais ministros, dada a sua retidão, ainda que dele discordem episodicamente, deixou perplexos até os que, a exemplo de Cármen, defendem a execução da pena depois da condenação em segunda instância.

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