Proibir entrevista é indevido e inoportuno
Por Editorial / O GLOBO
Réu por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro é julgado em meio à indevida pressão de Donald Trump sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de tarifas sobre as exportações brasileiras e ameaças aos ministros da Corte. Desde o início das investigações, são notórias as tentativas de obstrução de Justiça perpetradas pelo ex-presidente e seu filho Eduardo Bolsonaro nas plataformas digitais. Dado o histórico de desprezo pelas instituições democráticas, é alto o risco de fuga ou pedido de asilo. Ciente disso, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou na semana passada o uso de tornozeleira eletrônica e proibiu a aproximação do ex-presidente a postos diplomáticos. Também o impediu de usar redes sociais, “diretamente ou por intermédio de terceiros”.
É compreensível a preocupação do ministro. O bolsonarismo já demonstrou diversas vezes sua capacidade de divulgar notícias falsas, a fim de manipular a opinião pública. Porém, em despacho redigido na segunda-feira para esclarecer as decisões da semana passada, Moraes foi além. No texto, diz que “a medida cautelar de proibição de utilização de redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros, imposta a Jair Messias Bolsonaro inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiro”.
Há sérios problemas aqui. O primeiro deles é que a imprensa deve ser livre e não pode trabalhar sob cerceamento. O segundo é que, antes de qualquer condenação, Bolsonaro deve ser livre para dar entrevistas. Medidas cautelares anunciadas para garantir o julgamento de ações penais não podem atropelar outros direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
Bolsonaro é um notório manipulador, da casta dos piores populistas sul-americanos. Isso não justifica que seja impedido de se manifestar sobre seu próprio julgamento. Em abril de 2019, Luiz Inácio Lula da Silva, então condenado, deu entrevista quando estava preso na sede da Polícia Federal em Curitiba com a permissão do STF. A decisão de Moraes sobre Bolsonaro é extravagante nesse aspecto.
Sabendo que correrá o risco de ser preso se uma entrevista sua circular nas redes sociais, dificilmente falará com jornalistas. Com essa interpretação, Moraes nega à sociedade informações a que ela tem direito para formar suas convicções. Uma entrevista coletiva com o ex-presidente convocada por parlamentares da oposição para a segunda-feira foi cancelada.
Aplicada sem restrição, a decisão de Moraes equivale a proibir Bolsonaro de falar com quem quer que seja. Ele não tem como garantir que um desconhecido não usará o celular para gravar a conversa e publicá-la numa rede social. O ex-presidente precisa ser julgado por seus atos, e é descabida qualquer tentativa de intimidar o STF. Mas esse julgamento e todos os acontecimentos que o cercam, por suas profundas consequências políticas, têm de ocorrer de forma pública e acessível a toda a sociedade. Essa transparência será benéfica para o próprio STF.