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STF se cansou de brigar sozinho

Por Vera Magalhães / O GLOBO

 

 

As conversas ainda mais incipientes para a construção de uma saída negociada para os condenados do 8 de Janeiro evidenciam que o Supremo Tribunal Federal (STF) se cansou de comprar todas as brigas políticas do Brasil enquanto o governo não consegue se articular minimamente para deixar de ser um mero coadjuvante nas mais prementes discussões da política nacional.

 

 

Depois de duelar por meses a fio com a cúpula do Congresso tentando disciplinar as emendas parlamentares, devolvendo alguma transparência ao Orçamento da União e alguma capacidade de o Executivo programar os gastos federais, estabeleceu-se neste primeiro semestre uma circunstância em que os ministros têm de brigar em duas frentes contra o golpismo.

 

Numa, o grupo mais duro em relação aos que perpetraram o ataque aos Três Poderes em janeiro de 2023 começou a ver ganhar corpo na sociedade a versão segundo a qual tudo não passou de arruaça ocasional de um bando composto por donas de casa, velhinhas desavisadas e outros iludidos, sem comando nem qualquer objetivo político a alcançar.

 

Na outra, com o início da análise da denúncia em capítulos de Paulo Gonet contra os que tentaram articular um golpe de Estado que impedisse a posse de Lula e mantivesse Jair Bolsonaro no poder, o STF ficou de novo na janela, exposto e submetido a uma pesada artilharia de narrativas, nas redes sociais e nas manifestações de rua, segundo as quais promove uma perseguição ao ex-presidente e aos seus.

 

Como pano de fundo a unir as duas frentes, o Congresso transformou em praticamente assunto único uma discussão bizantina para dar anistia a quem queria suprimir a democracia, sem que o governo tivesse força para matar o assunto e evitar que integrantes de sua suposta base aliada apoiassem o projeto.

 

A leve mudança na direção dos ventos nos últimos dias mostra que os ministros do STF estão incomodados de carregar todas as pedras enquanto o governo se omite. Esse incômodo, aliás, também está presente na cúpula do Congresso. Não à toa, são os representantes desses dois Poderes que encabeçam as tratativas de bastidores para tentar chegar a um caminho que permita que se vire essa página —também nesse capítulo a gestão Lula é pouco mais que mera espectadora.

 

A costura, no entanto, não é tão simples nem tão líquida e certa como Davi Alcolumbre e seus aliados tentam vender. Isso porque o grupo que se fechou em torno do ministro Alexandre de Moraes para endurecer contra os que tramaram ou foram às ruas contra a democracia não o deixará na mão nem aceitará capitulação à pressão da extrema direita por arrego para Bolsonaro e os seus —os pobres coitados do 8 de Janeiro são só os bois de piranha desta que é a verdadeira articulação.

 

Ministros muito próximos a Moraes parecem permeáveis à discussão sobre revisão do estágio de cumprimento das penas daqueles que foram condenados ou são réus pelo quebra-quebra em Brasília. Na proposta mais aceita, isso partiria do Ministério Público Federal, na figura de Gonet, que proporia um pente-fino no tempo de prisão de alguns dos executores do ataque em Brasília e, a partir daí, poderia sugerir um plano para relaxar prisões e estabelecer progressão das penas.

 

A ideia de anistia não tem maioria na Corte, mas os “alexandristas” reconhecem, com muita reserva, que a maioria em torno do ministro hoje é apertada e que isso demonstra quanto essa situação em que o tribunal se mete em todas as tretas nacionais não é sustentável indefinidamente.

 

Ainda resta como incógnita a maneira como Moraes, que em muitos momentos segurou à unha e sozinho os ataques mais diretos de Bolsonaro à democracia, reagirá a essas conversas. Mas o fato de elas nem sequer terem começado mostra como, na política, consensos são fluidos e as circunstâncias ditam muitas vezes as decisões mais importantes.

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