STF faz bem em ampliar exigências sobre emendas
Por Editorial / O GLOBO
Diante das sucessivas manobras do Legislativo, as emendas parlamentares continuam a exigir a ação do Judiciário. Na última decisão, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino determinou a estados e municípios beneficiados, entre 2020 e 2023, por transferências diretas ao próprio caixa sem projeto nem controle — modalidade conhecida como “emenda Pix” — que prestem conta do uso das verbas num prazo de 90 dias perante os ministérios de origem dos recursos. Ao mesmo tempo, e pelo mesmo motivo, Dino suspendeu novos repasses a universidades federais, estaduais e suas fundações.
No ano passado, ele sustou a liberação de emendas até que Legislativo e Executivo estabelecessem regras que atendessem às exigências constitucionais de transparência e rastreabilidade. Determinou que toda emenda deveria indicar origem do repasse, destinatário e comprovasse os gastos. No mês passado, o Congresso aprovou medidas para atender às exigências. Infelizmente, insuficientes. Continuou opaca a destinação de emendas por bancadas partidárias e comissões temáticas.
Apesar de avanços, as novas regras foram consideradas “longe do ideal” por Dino. Além de esclarecimentos sobre os gastos previstos para este ano, ele continua — acertadamente — a exigir informações sobre emendas liberadas no passado. “O não cadastramento de 6.247 planos de trabalho, totalizando dezenas de bilhões do orçamento público federal, sublinha, mais uma vez, o nível de desorganização institucional que marcou a implementação das transferências especiais [<italic>‘emendas Pix’</italic>]”, escreveu. Dos R$ 21 bilhões transferidos nos últimos quatro anos por meio dessas emendas, para apenas 4% delas (R$ 933 milhões) foram apresentadas prestações de contas pelos estados e municípios beneficiados. De R$ 4,48 bilhões repassados no primeiro semestre de 2024, só há informações detalhadas para 14%, ou R$ 627,2 milhões, revelou levantamento da Transparência Brasil para O GLOBO.
No mês passado, os ministérios do Turismo, da Fazenda e da Saúde receberam 30 dias para explicar o que aconteceu com recursos remetidos por parlamentares. Além de faltarem dados sobre remessas ao SUS, Dino quer saber quantas de 1.219 emendas cadastradas até março sob a rubrica “Turismo” serão destinadas a empresas beneficiadas pelo Programa Emergencial da Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado na pandemia e considerado uma via para desvio de recursos.
Uma nova frente foi aberta por Dino ao suspender repasses de emendas a universidades e suas fundações, com base em relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) que analisou a remessa de R$ 133,3 milhões às instituições de ensino. Entre elas, as universidades de São Paulo (USP), Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Federal Fluminense (UFF), Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e de Brasília (UnB). Dino pediu esclarecimentos também a universidades e fundações de oito estados: Acre, Alagoas, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rondônia e Sergipe.
Há ainda na lista duas organizações de hospitais filantrópicos e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Como se vê, a farra das emendas não beneficiou apenas prefeituras obscuras vinculadas a congressistas. Universidades, eventos e projetos culturais também precisam ser transparentes. Não cabem exceções à regra no uso do dinheiro público.