Ordem judicial para investigar israelense foi descabida
Por Editorial / O GLOBO
A decisão da Justiça Federal de acatar pedido feito pela Fundação Hind Rajab, uma ONG pró-palestina, para que Yuval Vagdani, um soldado reservista israelense de 21 anos de férias na Bahia, fosse investigado sob a suspeita de ter cometido crimes de guerra na Faixa de Gaza foi descabida. O soldado deixou o Brasil no fim de semana, mas o episódio ficará marcado como um excesso do Judiciário local. Coube ao Ministério Público Federal (MPF) explicar que Vagdani não era residente no Brasil e, segundo o Direito Internacional, o Juízo Federal carece de “competência para analisar o tema”.
Em petição feita em dezembro, os advogados Maira Pinheiro e Caio Patricio de Almeida, contatados pela Hind Rajab, pediram apuração na seção judiciária da Bahia. “Após cumprir seu serviço militar como membro do 432º Batalhão das Brigadas Givati e, de maneira sorridente e debochada, documentar a própria participação no cometimento de crimes de guerra, o noticiado [Vagdani] viajou com amigos e encontra-se neste momento em Morro de São Paulo, conforme registro publicado por ele próprio na rede social Instagram em 25 de dezembro de 2024”, escreveram os advogados.
Por julgar não ser o local adequado, o plantão judicial baiano enviou o caso a Brasília, onde a juíza Raquel Soares Chiarelli determinou no dia 30 a abertura de inquérito pela Polícia Federal. Na opinião dos advogados, Vagdani destruiu casas sem justificativa militar e atacou, de forma intencional, civis da Faixa de Gaza sem participação nas hostilidades. Ciente da decisão judicial, a Embaixada de Israel em Brasília manteve contato com o soldado reservista e o ajudou a deixar o Brasil em segurança no último fim de semana. O mais provável é que a ordem de investigação para a PF fosse derrubada assim que revisada por instâncias superiores da Justiça brasileira, mas Vagdani não quis esperar. Em declaração ao jornal israelense Haaretz, o pai do reservista disse ter aconselhado o filho e seus amigos a voltar para casa quanto antes. “Eles rapidamente fizeram as malas e cruzaram a fronteira em poucas horas”, disse o pai.
A notícia logo repercutiu em Israel. Ainda no domingo, o líder da oposição Yair Lapid acusou o governo de Benjamin Netanyahu de “imenso fracasso político” pelo fato de um reservista ter sido forçado a fugir do Brasil “na calada da noite”. Lapid defendeu como solução para evitar problemas iguais no futuro uma comissão de inquérito. “É impossível para os soldados — tanto regulares como da reserva — ter medo de viajar ao exterior”, escreveu numa rede social.
Israel deu início a operação militar depois do ataque sofrido em 7 de outubro de 2023, quando o Hamas invadiu o país, matou por volta de 1.200 pessoas e sequestrou mais de 200. Na Faixa de Gaza, os embates são distintos de uma guerra convencional. Os soldados do Hamas não andam uniformizados, nem operam abertamente. Usam os mais de 2 milhões de palestinos civis como escudo, montando de forma deliberada estoques de armas perto de escolas e hospitais.
Em mais de um ano, a devastação provocada pelo conflito bélico é óbvia. O governo local, dominado pelo Hamas, estima o número de mortos em mais de 45.800. Mas querer, de Brasília, determinar se houve crime de guerra e quem o cometeu não é apenas fora da norma legal. É impraticável.