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Justiça intervém demais nas empresas, diz juiz

Stéfanie Rigamonti / FOLHA DE SP

 

João de Oliveira Rodrigues Filho, 47, ganhou os holofotes por julgar duas dais maiores recuperações judiciais do país: a da Odebrecht, pós-Lava Jato, e a da Itapemirim. A empreiteira sobreviveu. A empresa de ônibus descambou para desvios de dinheiro e hoje está em falência.

Por diversas vezes, foi alvo de credores que o processaram por suposto conflito de interesses. Nenhum prosperou. Para o juiz, apesar das dificuldades de cada processo, há um excesso de judicialização que, nem sempre, é motivada pelo bem da companhia. O correto, diz o magistrado, seria aprovar o plano de recuperação e devolvê-la ao mercado o quanto antes como prova de fogo.

O que foi pior: arbitrar o processo da Odebrecht ou a da Itapemirim?

O caso da Itapemirim. No da Odebrecht, foram inúmeros desafios, mas técnicos. O processo começou em 2019 e, em 2020, tivemos a pandemia. Foi o meu primeiro processo com uma assembleia virtual de credores, que é algo sem previsão na lei. Na recuperação, hoje falência, da Itapemirim teve outro tipo de desafio em virtude do comportamento das partes envolvidas.

Como assim?

Quando o processo chegou aqui, os controladores tinham um gestor profissional, um bom administrador judicial e bons advogados. O plano [de recuperação judicial] foi aprovado em oito meses. Mas, depois, infelizmente, os controladores resolveram tomar a gestão da empresa, fizeram más escolhas e agora estão sendo apurados desvios de dinheiro. O plano acabou não sendo cumprido e teve muita beligerância entre controladores e credores.

Uma das críticas à Lava Jato, que pegou a Odebrecht e outras construtoras, é de que não se teve o devido cuidado em manter a sobrevivência das empresas. O senhor concorda?

Nenhuma empresa tem o direito de operar na ilegalidade. Agora, é fato que, no Brasil, ainda temos uma cultura de não diferenciar a atividade da empresa da figura do gestor ou do empresário. Não dá para dizer que houve uma contribuição da Lava Jato para isso, mas, na operação, acabou sendo mais fácil criminalizar as empresas.

Houve mudanças no ambiente empresarial?

Existe uma preocupação maior com a governança e com a transparência junto a investidores, parceiros comerciais e trabalhadores.

A Americanas tinha governança e tivemos um dos maiores escândalos da história.

Não conheço o caso a fundo. Mas, depois das notícias de incorreções contábeis, os controladores participaram diretamente para que o problema fosse corrigido. A empresa não foi condenada, nem encerraram as atividades.

Por que os processos de recuperação e de falência demoram tanto?

Ainda há a visão de que é necessário ter a supervisão judicial no cumprimento do plano [de recuperação]. Isso, de certa forma, é inócuo, porque tem planos que preveem pagamentos em dez anos e a lei diz que a fiscalização do juiz deve ocorrer por dois anos. De qualquer forma, com a lei 11.101, de 2005, houve um amadurecimento do sistema. Hoje, a Justiça está mais especializada, com a formação de um mercado profissional, advogados, administradores judiciais, contadores e leiloeiros, que acabam tornando o funcionamento desse sistema mais objetivo.

O senhor defende a saída do juiz, então?

Se a empresa em recuperação volta para o mercado, ela tem mais facilidade de obtenção de crédito. No entanto, ainda ficamos presos na ideia de que, se o Judiciário estiver de olho, o negócio vai funcionar melhor. Se a recuperação judicial serve para recuperar a empresa, não tem melhor teste do que a aprovação do plano e devolvê-la ao mercado. Tem que quebrar um pouco a cultura do excesso de judicialização.

A recuperação judicial e a falência têm um caráter econômico preponderante e hoje temos uma intervenção judicial excessiva, o que não é bom. Em muitos casos, não há jurisprudência consolidada sobre todos os temas. Isso consome tempo. E, muitas vezes, o tempo da empresa não pode esperar o do Judiciário.

RAIO-X

João de Oliveira Rodrigues Filho, 47

Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo, ele atuou na 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do TJSP por mais de 8 anos. É doutor em Direito Empresarial, com ênfase no direito das empresas em crise. É presidente do Fonajem (Fórum Nacional de Juízes Empresariais).

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