O interminável e heterodoxo inquérito das fake news
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, prorrogou por mais 180 dias o famigerado inquérito das fake news, aberto para apurar ofensas, calúnias, difamações e ameaças contra os magistrados do tribunal. Em março de 2025, ele completará seis anos. Mas sua longa duração não é a única heterodoxia temerária.
A investigação é incomumente vaga, o que dá margem a decisões tão variadas como ordem de busca e apreensão contra o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, bloqueio das redes sociais do partido de esquerda PCO e a prisão do então deputado bolsonarista Daniel Silveira.
Houve também censura à imprensa, com a ordem de retirada de uma reportagem sobre o ministro Dias Toffoli, à época presidente do Supremo, do site da revista eletrônica Crusoé.
Os problemas do inquérito vêm desde o nascedouro, já que ele não foi instaurado por solicitação do Ministério Público, mas a partir da interpretação elástica e controversa de um dispositivo do regimento interno que permite ao STF investigar ilícitos que ocorrem dentro de suas dependências —ademais, o relator não foi sorteado, e sim escolhido a dedo por Toffoli.
Isso criou uma anomalia na qual a corte é vítima e, ao mesmo tempo, pode investigar, julgar e condenar, afetando a imparcialidade exigida na magistratura.
Numa análise mais política do que jurídica, pode-se considerar que tais heterodoxias foram importantes para preservar a democracia brasileira, dada a turbulência institucional gerada pelos notórios ímpetos golpistas de Jair Bolsonaro (PL), seus seguidores e sua camarilha militar.
Ressalte-se que o movimento do STF ganhou ímpeto porque o procurador-geral da República escolhido por Bolsonaro, Augusto Aras, bloqueou sistematicamente investigações que incomodassem o governante de turno.
O fato inescapável, contudo, é que as razões que justificaram atipicidades no inquérito das fake news não estão mais presentes. Já passa da hora de o Supremo voltar a atuar com ortodoxia e, principalmente, autocontenção.
A imagem do STF vem apresentando desgaste. Parcela não desprezível de brasileiros vê com desconfiança suas decisões, e, para o bom funcionamento da democracia, as medidas do Judiciário precisam ser percebidas pela sociedade como justas ou ao menos sem viés político explícito.
O prejuízo já está dado, e repará-lo é tarefa de médio e longo prazo. Mas isso só acontecerá se o STF abandonar heterodoxias que não têm mais razão de ser.