Não tem cabimento STF intervir no preço cobrado por cemitérios
Por Editorial / O GLOBO
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Prefeitura de São Paulo volte a cobrar por serviços funerários valores iguais aos anteriores à concessão dos cemitérios, em 2023, corrigidos pela inflação. A liminar atendeu parcialmente a pedido do PCdoB numa ação que questiona a privatização dos cemitérios na cidade. O plenário deveria rever a decisão.
Dino argumenta que ela visa a evitar danos “em face de um serviço público aparentemente em desacordo com direitos fundamentais e com valores morais básicos”. Nas palavras dele, apesar de a privatização dos serviços objetivar a modernização, “o caminho trilhado até agora possui fortes indícios de geração sistêmica de graves violações a diversos preceitos fundamentais”. Cita a dignidade humana e a manutenção de serviço público adequado e acessível.
Ainda que provisória, a decisão causa estranheza. A bem-sucedida concessão dos serviços funerários foi feita dentro das regras estabelecidas pela lei aprovada democraticamente na Câmara de Vereadores. E a prefeitura tem autonomia para conceder os serviços que bem entender, com o objetivo de dar mais eficiência a um setor abandonado, melhorando as condições dos cemitérios e o atendimento à população. É verdade que existem queixas, mas os preços seguem a lei. Tais questões não exigem interferência do Judiciário.
A despeito da intenção, a decisão pode ter efeito contrário para a população de baixa renda. Segundo a prefeitura paulistana, ela elimina o desconto de 25% garantido pelas novas regras a funerais sociais. Famílias em situação de pobreza já usufruem gratuidade. “A medida é um retrocesso às ações adotadas pela administração para atender os mais pobres”, afirma a prefeitura.
Não é a primeira vez que uma decisão de Dino gera controvérsia. No fim de outubro, ele mandou retirar de circulação e destruir o estoque de quatro livros jurídicos que continham passagens com conteúdo homofóbico e preconceituoso. Alguns trechos eram repugnantes, mas a decisão deveria caber às instituições pedagógicas. Não é tarefa do STF editar conteúdo de livros.
A concessão de cemitérios tem sido uma tendência no país. No Rio, eles foram transferidos em 2013, resultando em mais vagas e melhorias na conservação. Em Belo Horizonte e Manaus, convivem modelos públicos e privados. Salvador iniciou estudos no ano passado para privatizá-los. A Prefeitura de São Paulo agiu corretamente ao concedê-los. “A gente percebeu que houve melhoria na zeladoria e até na segurança”, disse ao GLOBO a historiadora Viviane Comunale, que atua num projeto de visitas a cemitérios.
Entende-se que, dadas suas atribuições constitucionais, o Supremo seja demandado a dirimir toda sorte de conflito. Mas não é razoável que se ocupe de quanto cobram os cemitérios de São Paulo ou de qualquer outra cidade. Queixas contra preços hão de existir numa infinidade de serviços. Devem ser resolvidas de acordo com as normas estabelecidas nos contratos. Não faz sentido o STF agir como agência reguladora de cemitérios.