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Entrevista: ‘Crime quer formular leis, e Justiça tem que dar respostas imediatas’, diz presidente do TSE

Por ,    / O GLOBO

 

 

A uma semana do primeiro turno, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, diz que a tentativa do crime organizado de influenciar e se infiltrar nas eleições municipais é “bastante grave” e “não pode ser subestimada”. Segundo ela, a Justiça tem coordenado um cruzamento de dados para monitorar o tema. Em entrevista ao GLOBO, a ministra defende que o Estado “deve agir de forma a reduzir a violência” na política e que candidatos envolvidos em pugilatos durante debates devem ser punidos. “Como pode alguém que se apresenta de forma agressiva ser um pacificador quando assumir o cargo?”, questiona ela. “A democracia exige vigilância permanente”, reforça.

 

Investigações apontam que organizações criminosas tentam influenciar as eleições para favorecer sua atuação nas cidades. O que o TSE tem feito para evitar isso?

Constituí um núcleo de especialistas do Ministério Público e da Polícia Federal para verificar, a partir dos pedidos de registro de candidatura, se havia pessoas envolvidas em processos relacionados a organizações criminosas. Isso nunca foi feito antes, mas, diante das notícias de possíveis infiltrações de organizações criminosas nos órgãos estatais, a Justiça Eleitoral tomou o cuidado de realizar essa verificação com a ajuda de especialistas. Por um lado, existe o direito de votar e ser votado, e os casos de inelegibilidade são definidos pela lei. No entanto, a Justiça Eleitoral não pode ignorar essas questões.

 

Quão grave é o cenário?

Bastante grave, especialmente considerando a ousadia do crime de querer ser o formulador de leis. Há um risco real de que esse comportamento se estenda às instâncias estaduais e até nacionais. É grave esse atrevimento criminoso. Hoje (sexta-feira), por exemplo, às 6h30, recebi uma ligação do presidente de um tribunal regional eleitoral, manifestando preocupação com a segurança de um juiz que está sendo ameaçado. Estamos tomando as medidas necessárias. Tivemos um assassinato em João Dias, no Rio Grande do Norte, do prefeito que buscava a reeleição. Há indícios de envolvimento de facções criminosas. Tudo isso mostra que a questão não pode ser subestimada. Devemos adotar medidas imediatas, tanto para evitar que os criminosos alcancem seus objetivos quanto para impedir que algo que já tenha começado em outros momentos se perpetue. 

 

O TSE monitora a presença das organizações criminosas em estados como Rio, São Paulo, Amazonas e Ceará. Haverá alguma ação específica nesses locais no dia das eleições?

 

Foi necessário criar uma estratégia robusta para garantir a segurança das eleições, que envolve todas as polícias estaduais e federais. Também haverá apoio das Forças Armadas para os locais que solicitaram. Além disso, pela primeira vez, determinei que houvesse um juiz em todos os municípios brasileiros no dia da eleição. Essa estratégia foi implementada para que os eleitores se sintam seguros e protegidos, tanto física quanto legalmente, em todo o território nacional.

 

Entre janeiro e julho deste ano, 35 lideranças políticas morreram, de acordo com o Observatório da Violência Política e Eleitoral no Brasil. Como evitar que essa espiral de violência afete a nossa democracia?

 

É preciso saber a causa: é só eleitoral ou houve um aumento da violência na sociedade? Os números são alarmantes. Precisamos de uma resposta diferente, pois as abordagens atuais têm se mostrado ineficientes. Essa situação requer uma reformulação institucional, procedimentos mais eficazes e mudanças na legislação. O Estado deve agir de forma a reduzir a violência, e isso deve ser comprovado estatisticamente. O que a sociedade realmente deseja é viver em um ambiente seguro e pacífico.

 

Em São Paulo, um candidato desferiu uma cadeirada em seu oponente e um cinegrafista deu um soco no rosto de um marqueteiro. Em Teresina, um prefeito deu uma cabeçada em seu rival. A sensação de impunidade favorece esse ambiente de violência?

 

Pode ser um dos elementos. As pessoas têm o impulso atualmente de reagir com violência diante de um “não”. Quando eu era criança, minha mãe dizia: “Menino birrento põe de castigo”, e isso resolvia a situação. Agressão não pode ser tolerada. Se o Estado existe para garantir a pacificação social, como pode alguém que se apresenta de forma agressiva ser um pacificador quando assumir o cargo? A pessoa que trabalha o dia inteiro quer chegar em casa, assistir a um debate esperando ver propostas para sua cidade e aí assiste a um pugilato? Não é aceitável. A legislação pune toda forma de agressão. É preciso que essa legislação seja cumprida com rigor.

 

As redes sociais estimulam esse ringue eleitoral por meio do que a senhora chamou de “algoritmo do ódio”?

 

Tem um algoritmo perigoso. É evidente que alguém está ganhando muito com isso. Mas acho que esse impacto do algoritmo na eleição é muito menos do que se esperava. Os eleitores estão mais preocupados com questões práticas do dia a dia, como a educação dos filhos, a condição das ruas e o transporte público.

 

Um mês depois de eu chegar à presidência do TSE, o discurso mudou de “como é que a senhora vai fazer para lidar com as plataformas?” para “como vai fazer para enfrentar a insegurança?”.

 

As plataformas que assinaram comigo os memorandos estão cumprindo-os rigorosamente. Há poucos dias, uma delas retirou do ar em 15 minutos algo que poderia realmente ter algum impacto em um determinado município. Quinze minutos. A inteligência artificial, que foi tema de uma resolução, também teve menos impacto do que se imaginava inicialmente. Toda vez que há Direito, se dá segurança para todo mundo. Quem acha que pode fazer pirotecnias, apolíticas ou contra a política, sabe que será aplicado o Direito.

 

Como o TSE tem olhado para a presença de influenciadores nas campanhas, com impulsionamento de cortes de vídeos nas redes?

 

O corte descontextualiza e pode desinformar. Comprovada a desinformação, está na regra geral (que prevê punição). A novidade é o procedimento. Provavelmente, vamos ter que dar o tratamento específico para as próximas eleições. Foi o primeiro momento em que nós vimos isso acontecer. Sempre vai ter alguém com criatividade, e vem o Direito tentar contornar isso.

 

O TSE definiu critérios para que seja identificada e coibida a fraude à cota de gênero. Mesmo assim, há indícios de que esses casos continuam acontecendo, afetando a participação das mulheres na política. Como combater isso?

 

É péssimo e ilegal. O Tribunal Superior Eleitoral instituiu a cota de 30% das candidaturas femininas e depois estabeleceu também 30% de financiamento e de tempo de propaganda no rádio e na TV. Muitas mulheres não reclamam. Não chega ao Judiciário. Porque tem medo da retaliação do partido. Precisamos ter canais específicos de denúncia para apuração. O brasileiro reclama, mas não reivindica. E nós, brasileiras, precisamos aprender a reivindicar.

 

A senhora é a única mulher entre os 11 ministros do Supremo. Como se sente?

 

Não penso nisso. Sou um dos 11 e atuo desse jeito. Isso é uma coisa que é mais vista de fora do que de dentro na verdade. Mas preferia que tivesse paridade e espero que tenha. Quero muito que tenhamos paridade.

 

A senhora ficou decepcionada com o presidente Lula por não ter escolhido mulheres nas duas indicações que ele fez ao STF?

 

Eu preferia que houvesse mulheres, embora os dois colegas (Cristiano Zanin e Flávio Dino) sejam ótimos. Gostaria que todo mundo pensasse que ter mais mulheres é bom. Até porque é um avanço quando nós temos a presença de mais mulheres. Nos tribunais, 30% são mulheres. Se fizer um recorte da mulher negra, baixa para menos de 8%. A ideia de Justiça que tem que sair pelo olhar plural, de mulheres e de homens.

 

O ex-presidente Jair Bolsonaro questionou as urnas eletrônicas em 2022, e o TSE deu uma resposta. Isso ficou para trás?

 

Era tudo mentira. E o brasileiro é muito mais sabido do que alguns, que se acham sabidos, acham. Voltou-se a ter o mesmo nível de confiança que se tinha antes. Simples assim. Foi mantida a confiabilidade da Justiça Eleitoral e do eleitorado, que tinha sido posta em questão dirigida por interesses específicos. A democracia exige vigilância permanente. Para mim, a democracia é igual a uma roseira: tem que plantar e cultivar todos os dias. Agora, a erva daninha não escolhe terreno. Então, a democracia é um cultivo permanente. Eu não tenho um minuto de desligamento disso.

 

 

 

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