Plataforma X ignora decisão judicial sobre perfis de Marçal e expõe desafios na fiscalização de campanhas nas redes
Por Matheus de Souza, Hyndara Freitas e Bernardo Mello— São Paulo e Rio/ O GLOBO
A suspensão de perfis em redes sociais do ex-coach Pablo Marçal (PRTB), candidato à prefeitura de São Paulo, expôs brechas na legislação e dificuldades para fiscalização de campanha irregular, fatores que voltam a preocupar a Justiça Eleitoral e especialistas nas eleições deste ano. Além das suspeitas de desembolso de recursos não declarados para remunerar influenciadores, o caso de Marçal envolve a criação de contas reservas que o mantêm ativo nas redes — no X, o antigo Twitter, a decisão judicial de suspender seu perfil oficial sequer foi cumprida.
Há também dúvidas sobre os critérios das plataformas para limitar ou não a distribuição de conteúdo político, já que parte desse controle depende de uma autodeclaração que não é seguida por todos os candidatos.
A dificuldade de garantir que as campanhas nas redes sociais sigam determinadas balizas legais repete uma tônica das eleições de 2018 e de 2022. No primeiro caso, houve episódios de disparo massivo de mensagens, com desinformação e ataques a rivais, o que levou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a estabelecer regras para coibir o financiamento a esta prática. Já na última eleição, a Corte ordenou a remoção de conteúdos com uma fala do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre imigrantes venezuelanas, e outros que associavam o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a uma facção criminosa; ainda assim, ambos os materiais se replicaram rapidamente nas redes.
Em 2024, um novo desafio é a limitação imposta pela Meta, responsável por Facebook e Instagram, à distribuição de conteúdo classificado como “político”. No início do ano, a empresa parou de recomendar esse tipo de conteúdo a usuários, que, em tese, passariam a só ter acesso a postagens políticas de perfis que já sigam.
Na prática, porém, o primeiro “sarrafo” para decidir quem atende ou não os critérios é uma autodeclaração. Em São Paulo, por exemplo, dos candidatos à prefeitura que têm pontuado nas pesquisas eleitorais, apenas Tabata Amaral (PSB) e Guilherme Boulos (PSOL) se identificam como “políticos”. No Rio, nenhum dos candidatos a prefeito segue esta classificação.
— Um possível manual de boas práticas seria que as plataformas cadastrassem todos os políticos, mas o que ocorre no Brasil hoje é uma combinação de autodeclaração com moderação de conteúdo — explica Fabro Steibel, diretor-executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS).
Para especialistas, as regras podem causar desequilíbrio ao não restringir todos os perfis de políticos. A Meta diz que, além da autodeclaração, busca identificar contas que publiquem conteúdos relacionados à política, com postagens que envolvam leis, eleições ou tópicos sociais. Não explica, porém, quando usuários que fazem essas postagens passam a ser alvo de restrições. A empresa recomenda, inclusive, que contas que estejam sofrendo com a perda de alcance podem “parar de publicar esse tipo de conteúdo por um período”, para que voltem a ser recomendados.
No caso do TikTok, a Bytedance, empresa chinesa que é dona da plataforma, proíbe publicidade política e classifica determinados perfis dentro desta categoria, mas essa listagem não é pública.
Para Fernando Ferreira, pesquisador do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (NetLab), a falta de transparência dificulta entender como as decisões são tomadas.
— A falta de métodos oficiais de coleta e aquisição de dados gera opacidade sobre o impacto real dessas restrições.
Outro ponto que gera dor de cabeça neste ano são dribles a decisões judiciais. Após o PSB obter, na última sexta-feira, uma liminar que suspendeu perfis de Pablo Marçal por suspeita de se beneficiar de uma rede de pagamentos irregulares a terceiros para geração de conteúdo, o candidato do PRTB criou contas alternativas que rapidamente chegaram ao patamar de milhões de seguidores. O diretor executivo do ITS, Fabro Steibel, pondera que Marçal não descumpriu a decisão judicial, que apenas bloqueou seus perfis oficiais. Mas lembra que já houve casos de restrições mais amplas, como a do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de criar novos perfis, que são corriqueiramente burladas.
A lógica da campanha nas redes também reduz a eficácia de eventuais direitos de resposta, na avaliação do especialista. Em São Paulo, a campanha de Boulos chegou a obter três direitos de resposta — depois suspensos — após o candidato do PRTB sugerir, sem quaisquer provas, o uso de drogas ilícitas; Marçal, porém, retomou sistematicamente o tema em novas postagens.
— O direito de resposta, que é uma forma de garantir a igualdade de armas, já tinha falhas na TV e funciona mal na internet. É preciso que a legislação se adapte aos algoritmos e que responsabilize a desinformação profissionalizada — diz Steibel.
Campeonato de cortes
Outra controvérsia, também envolvendo a campanha de Marçal, é sobre destinação de recursos para que terceiros produzam vídeos curtos, os chamados “cortes”, em benefício do candidato. De acordo com resolução do TSE, os candidatos só podem impulsionar conteúdo nos seus perfis oficiais, que precisam ser informados às plataformas, e não podem pagar a influenciadores para fazê-lo.
Em junho, reportagem do GLOBO mostrou que Marçal prometia prêmios a apoiadores, já na pré-campanha, que fizessem vídeos com alto número de visualizações. Na ação em que pediu a suspensão de perfis de Marçal, o PSB apontou indícios de que a prática “continuou mesmo após o início do processo eleitoral”, e alegou que ela pode configurar “caixa dois” e abuso de poder econômico.
Até a noite de segunda-feira, Facebook, Instagram e Tik Tok haviam atendido a determinação judicial de suspender os perfis oficiais de Marçal. Já seu perfil no X, que vive um embate com o Judiciário brasileiro, seguia ativo.
Especialistas apontam que há dificuldade de fiscalização nos casos em que a origem do pagamento é dissimulada. O monitoramento comumente feito pelas plataformas é do impulsionamento de publicações políticas em perfis não autorizados quando este é pago diretamente pela campanha do candidato.
Marçal vem alegando que não fez pagamentos a apoiadores. Na segunda-feira, os administradores do canal “Cortes do Marçal”, no aplicativo de conversas Discord, usado para promover os “campeonatos de cortes” com imagens do candidato do PRTB, passaram a pedir a produção de conteúdo com o influenciador fitness Renato Cariani. Ele é próximo a Marçal e apoia sua candidatura.
O administrador do canal, Jefferson Zantut, alega que a nova competição não tem relação com Marçal, e promete até R$ 50 mil em prêmios. Para especialistas, será preciso averiguar posteriormente se o conteúdo de Cariani teve o intuito de beneficiar Marçal.
As zonas cinzentas nas plataformas
- Classificações de políticos: neste ano, a Meta deixou de recomendar aos usuários conteúdo considerado “político”. Para especialistas, a falta de uma classificação padronizada para os candidatos e o uso de critérios pouco claros para a moderação de conteúdo trazem risco de desequilíbrio na campanha.
- Criação de contas alternativas: decisões judiciais como a que suspendeu os perfis oficiais de Pablo Marçal não necessariamente impedem que candidatos criem novos perfis e sigam postando. Também já houve casos de decisões mais amplas, que proibiam novas contas, que acabam sendo burladas.
- Remuneração de seguidores: o envio de recursos não declarados para que terceiros produzam e impulsionem conteúdo nas redes é proibido pela Justiça Eleitoral, mas especialistas afirmam que há dificuldades na fiscalização quando este pagamento não é feito diretamente pela conta do candidato.
- Descumprimento de decisões judiciais: além da criação indiscriminada de novos perfis, outra dor de cabeça na campanha deste ano para quem se sente ofendido por postagens de adversários é o cumprimento de direitos de resposta, já que a lógica das redes sociais é porosa à replicação do conteúdo que gerou a sanção.