Empresas de ônibus acusadas de usar dinheiro do PCC são alvo de operação; Justiça bloqueia R$ 684 mi
Por Marcelo Godoy / O ESTADÃO DE SP
Duas das maiores empresas de ônibus de São Paulo, acusadas de serem criadas com o dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC), são alvo na manhã desta terça-feira, 9, da Operação Fim da Linha, a maior já feita até hoje contra a infiltração do crime organizado no poder público municipal no País. Trata-se do resultado de uma investigação de quatro anos feita pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, pela Receita Federal e pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Quatro acusados foram presos.
Ao todo, os promotores estão cumprindo 52 mandados de busca e apreensão no Estado com o auxílio de 340 policiais de cinco batalhões da Tropa de Choque da PM. A Justiça decretou a prisão de três acionistas das empresas e de um contador e determinou medidas cautelares contra outros cinco acusados. Também foi decretado o bloqueio de R$ 684 milhões em bens dos investigados para o ressarcimento das vítimas e em razão de danos coletivos provocados pela atuação das empresas.
Elas fariam parte de um cartel montado pelo crime organizado para se apossar do chamado Grupo Local de Distribuição do sistema municipal de transportes, onde estão as empresas que atuam nos bairros da capital. Por isso, fiscais do Cade participam da operação. Os 13 lotes daquele grupo de linhas de ônibus foram licitados em 2019 e estavam avaliados em R$ 22,2 bilhões – a maioria foi concedida a uma única companhia.
Esse é o caso do lote 4, na zona leste, concedido à mais polêmica das empresas investigadas: a UPBus, controlada por integrantes da cúpula do PCC e seus parentes, segundo investigações. O mesmo aconteceu com os lotes 10 e 11, controlados pela Transwolff, a terceira maior empresa do setor na cidade, com 1.111 veículos rodando na cidade. São elas e seus diretores os alvos da operação desta terça, dia 9.
O objetivo da organização criminosa montada por meio das empresas no setor seria a lavagem do dinheiro do tráfico de drogas e de grandes roubos, como o de 770 quilos de ouro, ocorrido em 2021, no Aeroporto de Guarulhos. A análise das movimentações financeiras dos investigados feitas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) levantou ainda a suspeita de sonegações fiscais feita em compras e vendas de imóveis, daí a inclusão de fiscais da Receita Federal na operação.
Ao todo sete companhias estão na mira das investigações da polícia e do Ministério Público, conforme revelou o Estadão em fevereiro. Juntas, elas são são responsáveis pelo transporte de 27,5% dos passageiros de ônibus da capital e receberam R$ 2 bilhões da Prefeitura só em 2023, sendo que três delas assinaram oito novos contratos e embolsaram R$ 860 milhões em repasses do sistema depois da abertura dos mais recentes inquéritos sobre a ação do PCC no setor. Esse é praticamente o mesmo valor pago pela Prefeitura só à maior das sete investigadas, a Transwolff, em 2023: R$ 748 milhões. Ela transporta 15 milhões de passageiros em média por mês na capital, enquanto a UPBus leva 1,68 milhão.
A caixa do Pandora
Entre os diretores de empresas que tiveram a prisão decretada estão o presidente da Transwolff, Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora. Ele foi detido em casa. Trata-se de um personagem conhecido da polícia e da política paulistana. Atua no setor há quase três décadas, desde o aparecimento dos perueiros clandestinos na capital, em meados dos anos 1990.
Em 2006, ele teria participado da tentativa de resgate de Nivaldo Eli Flausino Alves, o Branco, irmão de um dos chefes do PCC: Antonio José Muller Junior, o Granada. Além disso, ele teria como aliado na empresa Róbson Flares Lopes Pontes, que também teve a prisão decretada. Flares é irmão de Gilberto Flares Lopes Pontes, o Dinamarca, um dos alvos da Operação Sharks e ex-integrante da cúpula do PCC, morto em 2021. Pandora, Flares e os demais são acusados de extorsões, apropriações indébitas, ameaças e fraudes em licitações, tudo no âmbito de uma organização criminosa ligada ao PCC.
Em relação ao grupo Transwolff foram expedidos dez mandados de buscas contra empresas e dez outros nas casas de diretores das companhias, de contadores e advogados de Pandora. Flares e o contador Joelson Santos da Silva também tiveram a prisão decretada e foram presos em casa. Um quarto acusado foi preso em flagrante porque durante as buscas forma encontradas armas em seu imóvel.
Os promotores obtiveram o bloqueio de bens até o limite de R$ 596 milhões para garantir o ressarcimento de prejuízos causados pela organização – valor equivalente ao faturamento da Transwolff em 2021. O sequestro atingiu bens de 28 empresas e 16 pessoas, além de 43 imóveis, uma aeronave, três lanchas e duas moto-náuticas, tudo em nome dos investigados.
De acordo com as investigações, a Transwolff só conseguiu participar da licitação feita pela Prefeitura em 2015 em razão do aporte de R$ 54 milhões feito pela MJS participações Ltda, sob a forma de integralização do capital, dinheiro proveniente do tráfico de drogas. Ao colocar o dinheiro na empresa, o PCC, segundo os promotores, além de consolidar sua posição no setor, ainda lavava os recursos do crime.
Os milhões da facção foram necessários porque naquele ano a Prefeitura de São Paulo resolveu que não iria renovar a concessão feita às cooperativas de perueiros que atuavam no setor desde 2004. No caso da Transwolff, eles estavam reunidos na Cooperpam. Ela era a maior do setor e tinha Pandora como presidente. Pelas normas da Prefeitura, se ela quisesse permanecer no sistema teria de disputar uma licitação para a concessão de lotes do transporte por meio de uma empresa com um capital social mínimo necessário para operar no setor.
Os antigos cooperados se tornaram acionistas das empresas – os da Cooperpam migraram para a Transwolff. O PCC teria se aproveitado desse momento para incluir dezenas de laranjas e parentes de seus integrantes nos quadros societários para dominar as companhias. E também, no caso da Transwolff, para, de acordo com os promotores, se apropriar dos bens que pertenciam à Cooperpam e aos seus cooperados.
Ao todo, o Gaeco reuniu 27 casos de vítimas do esquema que tiveram a coragem de denunciar os achaques, trapaças e ameaças à Justiça e sete ex-diretores expulsos da empresa. Segundo eles, Pandora e seus companheiros impunham condições extremamente desfavoráveis aos antigos cooperados, que continuam na empresa, cobrando taxas extorsivas, apropriando-se dos repasses da Prefeitura aos donos de ônibus e pagando remunerações miseráveis a fim de forçá-los a entregar sua participação na empresa aos diretores, isto é, ao PCC.
O acerta de contas
O mesmo esquema criminoso teria funcionado com a UPBus, conhecida como a ’Coperativa do Arrepiado’. Arrepiado é Sílvio Luiz Correia, também conhecido como Cebola, o homem apontado como o responsável pelo PCC ter entrado no transporte de passageiros na zona leste de São Paulo. Condenado por tráfico de drogas – ele foi apanhado com meia tonelada de maconha na garagem da empresa –, ele está foragido e teve novamente a prisão decretada pela Justiça.
Cebola controlaria 60% da empresa ao lado de outros acusados: o ladrão de banco Alexandre Salles Brito, o Buiu, a família do traficante de drogas Anselmo Bechelli Santa Fausta, o Magrelo ou Cara Preta, o ladrão de empresas transportadoras de valores Décio Gouveia Luís, o Décio Poruguês, a família do traficante de drogas Claudio Marcos de Almeida, o Django, o empresário Admar de Carvalho Martins e o advogado Ahmed Hassan Saleh, o Mude.
Para tanto usaria parentes e laranjas como acionistas, como Ubiratan Antônio da Cunha, o diretor da UPBus responsável por assinar contratos com a Prefeitura, conforme demonstrado durante a Operação Ataraxia, do Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) à qual o Estadão teve acesso. De 60 acionistas da UPBus, seis são membros destacados ou cônjuges de membros destacados do PCC; 18 possuem ligação direta ou indireta com a facção e 18 apresentam movimentações financeiras atípicas junto ao Coaf.
Ainda segundo as investigações, 45 ostentariam profissões incompatíveis com o capital investido na empresa UPBus, como diaristas, costureiras, operadoras de caixa, motoristas e cobradores. É aí que mais uma vez entrou, segundo o Gaeco, o dinheiro do PCC. No caso da UPBus, foi os recursos da facção teriam permitido à antiga Qualibus se transformar, em 2015, em uma sociedade por ações fechada, com capital social de R$ 20,4 milhões.
Os recursos foram integralizados por meio de ônibus apresentados por novos acionistas admitidos na empresa. Com a subscrição de ações por meio de ônibus usados, laranjas e parentes de bandidos faccionados teriam tomado conta de tudo, tornando-se acionistas da UPBus. De acordo com a Receita Federal, dos 77 novos sócios admitidos, 33 deles não haviam declarado qualquer aquisição de ônibus. Nenhum deles, portanto, teria capacidade econômica para a aquisição dos bens.
Em seguida, a empresa teria distribuídos lucros milionário para os acionistas, mesmo quando registrava em seu balanço prejuízos ano após ano, o que teria servido para lavar dinheiro do tráfico. Para os promotores, há fundados indícios, notadamente, a partir das manobras societárias, contábeis e inconsistências fiscais e financeiras, além dos procedimentos criminais em que os sócios foram investigados e condenados, de que os valores usados na constituição e integralização do capital social da empresa UPBus são provenientes dos crimes da organização criminosa: tráfico de drogas, roubo, dentre outros.
A empresa ficou ainda conhecida pelo fato de dois de seus maiores acionistas, os traficantes de drogas Magrelo e Django – também dois dos maiores traficantes do País – terem sido mortos em um sangrento acerto de contas em 2021 envolvendo a suspeita do desvio de R$ 200 milhões em criptomoedas. Um dos envolvidos na morte de Magrelo foi esquartejado a mando do tribunal do crime do PCC e sua cabeça foi encontrada na mesma praça do Tatuapé, na zona leste, onde o traficante foi assassinado em uma emboscada.
No caso da UPBus, os promotores conseguiram a decretação da prisão de Cebola e de medidas cautelares contra outros cinco acionistas da empresa: Décio Português, Mude, Buiú, Martins e Ubiratan Cunha. Eles ficarão proibidos de frequentar a sede da empresa ou de manter qualquer atividade empresarial no Estado Além disso, foram expedidos 30 mandados de busca contra pessoas e dois contra empresas do grupo.
É aqui que aparece o contador João Muniz Leite, homem de confiança do advogado Roberto Teixeira, o compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Muniz trabalhou como contador do filho do presidente Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, e já prestou serviços para o próprio presidente. Muniz foi um ndos alvos das buscas. Além delas, a Justiça determinou o bloqueio de bens de 19 acusados e de uma empresa, bem como de imóveis em nome de 12 acusados, até o valor de R$ 88 milhões para indenizar vítimas do grupo e o Município. O valor representa o faturamento declarado da empresa em 2022.
Fraudes mo Vale do Ribeira
Diante das evidências, os promotores responsáveis pela operação têm uma certeza: é preciso retirar do sistema de ônibus as mãos do PCC – além de São Paulo, nesta fase da investigação, foram detectadas fraudes em 12 contratos fIrmados pelas prefeituras de Cananeia e de Iguape, no Vale do Ribeira, por empresas usadas como laranjas pela Transwolff.
O Estadão não conseguiu localizar as defesa das empresas Transwolff e UPBus, bem como a dos diretores que tiveram suas prisões decretadas ou foram alvo de medidas cautelares alternativas. Também não conseguiu encontrar as defesas dos que tiveram seus bens bloqueados, bem como os reponsáveis pelos contratos nas prefeituras de Cananeia e de Iguape.