Sérgio Moro: perseguido pelas virtudes, não pelos defeitos grotescos
Por Fabiano Lana / oO ESTADÃO DE SP
O hoje periclitante senador Sérgio Moro tem sido um político bisonho, pode ter cometido abusos durante a condução da Operação Lava Jato, foi oportunista ao se unir ao ex-presidente Jair Bolsonaro, e deixou a ambição cegá-lo em tantos momentos de sua trajetória. Mas a aversão de setores da sociedade pela sua figura não se deve exatamente a esses defeitos apontados. Se deve ao fato de ele ter atingido um grupo político ao desnudar bilionários esquemas de corrupção que acabaram por atingir até mesmo o atual presidente Lula.
Quando o então juiz Sérgio Moro decidiu deixar a magistratura para se tornar ministro da Justiça de Bolsonaro, um experiente e perspicaz congressista comentou com esse colunista: “Agora Moro vai perceber como é dura a vida na política. Terá de fazer coisas que não é acostumado, como negociar, ceder, firmar acordos com quem não gosta e vai apanhar muito da imprensa”. Dito e feito. Naquela época, inclusive, análises apontavam que Bolsonaro havia errado ao colocar alguém “maior politicamente do que ele” como auxiliar. O ex-presidente, talvez, quisesse apenas diminuir um potencial rival deixando-o bem por perto. Vai ver que recebeu aquele meme do chinês Lao Tsé que dizia, a cinco séculos antes de Cristo, “Mantenha os amigos perto de você e os inimigos mais perto ainda”.
Poucos meses antes, no auge da Lava Jato, Moro era o maior herói nacional, sem nenhuma dúvida. Eram tempos em que se desvendavam desvios bilionários nas estatais, utilizados para enriquecimentos pessoais e para a eternização de projetos de poder. Nos carnavais bonecos e máscaras do juiz eram aplaudidos pelos foliões. Em um país que atravessava uma recessão feroz, imaginava-se que toda culpa fosse dos esquemas de corrupção conduzidos por políticos de todos os vieses, mas principalmente pelo Partido dos Trabalhadores. O juiz federal de Curitiba era o herói que viria nos salvar.
A Lava Jato de Curitiba foi um tiro de fuzil no Partido dos Trabalhadores, que demorou uns anos a se recuperar. Já a Lava Jato de Brasília, conduzida pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot atingiu principalmente os partidos do centro e do centrão, principalmente o MDB de Michel Temer e o PSDB de Aécio Neves (nesse caso, o tiro pode ter sido fatal). Ambas as operações, do sul do país e da capital, souberam ser midiáticas a ponto de dominar massivamente os noticiários. Tornou-se rotina dos brasileiros acordar com a notícia de um figurão em cana – em prints enviados por algum grupo de WhatsApp com fotos de tal sujeito, algemado, muitas vezes conduzidos por um agente de feições orientais, a adentrar num camburão da Polícia Federal.
Nesse cenário de desolação e corrupção, o brasileiro passou a procurar alguém fora de tal sistema para ser seu condutor de dentro do Palácio do Planalto. Houve alguns cometas políticos de ocasião, como o ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, algoz do PT no mensalão. Ele desistiu. O então prefeito de São Paulo, João Dória, também viu sua chance de ir para a Presidência. Considerado outsider, foi vetado pelo próprio partido, o PSDB.
Nessa procurar pela barata do holocausto na política, o brasileiro passou a prestar cada vez mais atenção em Jair Bolsonaro. Mesmo com sete mandatos consecutivos na Câmara dos Deputados, em geral por partidos também atingidos pelos escândalos mostrados na TV, o capitão soube se apresentar como a novidade contra tudo aquilo que estava ali e conquistou o Planalto. Não existe “se” na história, mas podemos abrir uma exceção: se Sérgio Moro tivesse se candidato em 2018 teria vencido as eleições. Era o juiz que havia colocado o ex-presidente Lula na cadeia – o maior troféu possível numa sociedade então dominada pelo antipetismo.
Talvez Moro tenha percebido que o cavalo selado passou na sua porta, mas ele não montou. Talvez achasse que poderia ser sucessor de Bolsonaro. Ou, mais humilde, um ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi aí que, vitimado pela picada da mosca azul, aceitou ser ministro da Justiça.
O fiasco de sua atuação no ministério foi notável. À esquerda, ficou provada a teoria da conspiração de que o “fascista” Sergio Moro perseguia politicamente Lula. O vazamento de suas conversas com os integrantes da Lava Jato, com direito a momentos de deslumbramento explícito de procuradores como Deltan Dallagnol, não facilitaram as coisas para ele. Do lado do bolsonarismo, não se adaptou em ser um membro de uma seita na qual todo o rebanho precisa pensar e se expressar exatamente como o líder para não sofrer retaliações. Moro entrou grande e saiu pequeno do ministério, acusando seu ex-chefe de abuso de poder. A esquerda continuou o odiando. A direita passou a tratá-lo como traidor e sua influência na imprensa se esvaía.
Em 2022, tentou ser candidato a presidente pelo Podemos, não conseguiu. Tentou ser candidato a presidente pelo União Brasil, não conseguiu. O resquício de popularidade foi suficiente para elegê-lo senador pelo Paraná. Tentou se reconciliar com Bolsonaro aparecendo junto a ele num debate presidencial – algo meio fantasmagórico. E logo após, passou a enfrentar um processo de cassação conduzido por integrantes do partido bolsonarista em parceria com o Partido dos Trabalhadores. Mesmo que seja absolvido é um processo como um todo humilhante. De vez em quando vazam notas na imprensa de que pode ir para a cadeia, se condenado.
Nessa debacle de Moro, que em parte ele merece, estão tentando colocar um enorme jabuti em cima da árvore: 1) os esquemas de corrupção não teriam ocorrido; 2) Seriam invenções de representantes de Estado direitistas e viciados em poder que poderiam até mesmo atropelar a lei para conseguir seus objetivos. A segunda parte da crítica pode até ser verdadeira, a conferir. Mas daí não decorre que as tenebrosas transações não aconteceram. A suspeita, com grandes chances de ser verdade, é que a perseguição a Moro pode ter uma razão maior: ele foi o maior algoz que o atual presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores já tiveram. E isso não poderia ficar impune.