Inquérito infinito
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acolheu pedido da Polícia Federal (PF) e prorrogou por mais 90 dias o Inquérito 4874, que investiga a ação das chamadas “milícias digitais antidemocráticas”. É a nona vez que o inquérito, instaurado em julho de 2021, é prorrogado pelo ministro relator. E nada indica que terá sido a última.
Não é possível dizer se, de fato, havia razões para mais essa concessão de prazo para a investigação. O inquérito é sigiloso e a PF apenas indicou a necessidade de mais tempo para cumprir “diligências ainda pendentes”, sem apontar quais caminhos o inquérito ainda teria de percorrer até a conclusão, passados dois anos e meio desde a abertura.
A essa altura, porém, é perfeitamente possível afirmar que, das duas, uma: ou o STF e a PF estão lidando com uma das mais engenhosas e tentaculares organizações criminosas de que já se teve notícia no País, ou os incumbidos da investigação têm de ser um tanto mais competentes para colher provas contra os suspeitos e desbaratar as “milícias digitais”. Seja como for, o inquérito há de ter um fim. Inquéritos infindáveis não se coadunam com um Estado Democrático de Direito.
Não é por outra razão que o princípio da razoável duração do processo se insere no rol dos direitos e garantias fundamentais. Lá ele está – no art. 5.º, LXXVIII, da Constituição – para assegurar que nenhum cidadão brasileiro tem de conviver com a espada do Estado pairando sobre sua cabeça por prazo indeterminado. Figurar como mero investigado em um inquérito criminal, por si só, já produz sérias consequências na vida de qualquer indivíduo, a começar pela estigmatização.
Os inquéritos que tramitam no STF desde quando Jair Bolsonaro lançou suas garras contra a democracia brasileira – não só o referido inquérito sobre as “milícias digitais”, mas também o inquérito que investiga a disseminação de fake news e ameaças contra membros da Corte na internet – foram determinantes para resguardar as liberdades democráticas. As ameaças, no entanto, foram dissipadas – e graças, inclusive, à firme disposição do STF para fazer valer a Constituição sobre os ataques dos que se revelaram seus piores inimigos desde a redemocratização do País.
Os tempos são outros. Respira-se um ar mais leve no País. Não há no horizonte, próximo ou longínquo, nada que remotamente represente uma ameaça à democracia que justifique esse sobrestamento de normas básicas do ordenamento jurídico brasileiro. Esses inquéritos precisam ser concluídos, em primeiro lugar, por imperativos constitucionais e democráticos. Mas também para que o próprio STF retome o curso normal de sua atuação no regime republicano e, assim procedendo, resgate a confiança da parcela da população que enxerga a Corte como um tribunal político.
Se a PF já tem indícios de autoria e materialidade para encaminhar o caso das “milícias digitais” ao Ministério Público, que o faça já. Se não, que o STF arquive o tal inquérito.