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STF tem de dar atenção à fome das pessoas em situação de rua

Felipe de Paula

Sócio de XVV Advogados, professor do FGVlaw. Doutor em direito pela USP e pela Universidade de Leiden (Holanda). Ex-gestor público federal, foi secretário Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo

Mariana Macário

Especialista em políticas públicas e combate às desigualdades e mestre em filosofia e teoria geral do direito, é gerente de Políticas Públicas da Ação da Cidadania

Ana Luísa Pinto

Advogada sênior na XVV - Xavier Vasconcelos Valerim Corrêa De Paula Advogados, professora assistente na PUC-SP, integrou a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo

Rodrigo Kiko Afonso

Conselheiro do CDESS (Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável), membro do Consea, presidente do Dínamo e diretor-executivo da Ação da Cidadania / folha de sp

De acordo com o Ipea, em uma década, entre 2012 e 2022, essa população cresceu 211%. Com a pandemia, o aumento acelerou: 38% a mais de pessoas nas ruas.

Não é difícil —ou não deveria ser— notar crianças, idosos e famílias inteiras nas ruas das cidades de todo o país. Mas a realidade dessas pessoas é de invisibilidade.


Foi diante desse cenário alarmante que, no final de agosto, mês que marca o Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua, o Supremo Tribunal Federal trouxe boas notícias. De forma unânime, confirmou decisão liminar concedida no âmbito de uma ação constitucional –ADPF nº 976– que trata justamente da garantia de direitos à população em situação de rua.

Na decisão, o STF determinou que estados, Distrito Federal e municípios devem observar as diretrizes da Política Nacional para a População em Situação de Rua. A decisão também vedou ações violadoras de direitos básicos, como o recolhimento forçado de bens e pertences e a remoção e o transporte compulsório dessa população.

O aumento da população em situação de rua está diretamente atrelado à desigualdade sociorracial, que é multifacetada e complexa. Por isso se exige dos Poderes constituídos uma abordagem ampla, que considere a garantia de todos os direitos sociais. Nesse sentido, a decisão representa um marco, mas notamos a ausência da centralidade do direito à alimentação, pressuposto à subsistência.

Apesar do reconhecimento de que a segurança alimentar constitui "elemento de especial atenção quando pensada a crise da rua", sua garantia não recebeu na decisão a mesma atenção.

Como é sabido, o direito à alimentação foi sistematicamente violado no governo anterior. Assistimos alarmados à reinserção do Brasil no chamado Mapa da Fome. De acordo com relatório da FAO divulgado em julho deste ano, entre os anos de 2020 e 2022, 4,7% da população brasileira enfrentava fome, levando aproximadamente 9 milhões de pessoas à desnutrição. Segundo a Rede Pensann, em 2022 a fome se tornou cotidiana para 33,1 milhões de brasileiros. Seis em cada dez brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar.

Além disso, a violência perpetrada pelo Estado em relação à população em situação de rua gera outras violações: ações de promoção da segurança alimentar são dificultadas ou impedidas, com alegações cruéis como a de que podem sujar as vias, em uma inversão absoluta de valores. Não apenas não se garante o prato de comida como impede-se sua chegada pela mão da sociedade civil organizada. Assim, assistimos reiteradamente a notícias de forças de segurança hostilizando ações solidárias de distribuição de alimentos e refeições.

A situação atual exige do poder público uma atuação dupla. De um lado, formular e implementar urgentemente ações de segurança alimentar e nutricional suficientes e adequadas. De outro, não impedir que a sociedade civil –e suas cozinhas solidárias, por exemplo– busque suprir a ausência do Estado na garantia dos direitos desses cidadãos.

Está nas mãos do STF garantir esse cenário ao julgar o mérito da ADPF nº. 976. E cabe a nós todos acompanhar esse debate e pressionar para que ele não se torne invisível, como vem acontecendo com a fome de tantas pessoas em nosso país.

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